RJESPM 14.indb

revista de jornalismo ESPM | cJR 49 Textooriginalmentepublicadonaediçãodemaio/junhode2015da CJR .UmaversãoreduzidadesteartigofoipublicadanocadernoAliás,do jornal O Estado de S. Paulo em14/06/2015. o possível impacto de novasmídias na compreensão da leitura. Embora a era digital pareça garantir ao leitor avan- çado uma capacidade inédita de loca- lizar informações, o ambiente pode ser um labirinto tão emaranhado que indivíduos menos privilegiados fica- riam para trás. Tecnologia cerebral Do relato sobre a vida nos cortiços nova-iorquinos no final do século 19 ao drama da infância em albergues de sem-teto nos dias de hoje, a empatia é parte indissociável do jornalismo. Uma reportagem tem um tre- mendo efeito sobre nós. Sentimos tanta empatia por um personagem como por gente de carne e osso – e conhecer sua história pela leitura pode até nos tornar mais empáticos na vida real, mudar nossa opinião e nos impelir a agir. Mas tanto Ickes, que analisou a cognição empática em interações humanas, como Immordino-Yang, cujo trabalho envolveu imagens do cérebro e narrativas de não ficção, sugerem que o tempo e a experiên- cia são fatores que influem na empa- tia. Precisamos de certa quantidade de informação sobre o outro, obtida ao longo do tempo, para começar a sentir que entre nós há uma seme- lhança fundamental. Quando um relato consegue envol- ver e transportar o leitor, cresce a probabilidade de que sua opinião sobre a realidade mude para se adap- tar a essa narrativa. No jornalismo de revista, é algo óbvio, intuitivo até. Sabemos que narrativas mais longas, com personagens complexos e tra- mas fortes, podem exercer profundo impacto sobre quem encara o texto do começo ao fim. Segundo estudos recentes que sugerem que a leitura superficial e a distração são parte da experiência no digital, esse grupo de leitores pode estar encolhendo. Se for verdade, e à luz de tudo o que hoje sabemos sobre o impacto do tempo, da con- centração e da informação sobre a empatia, a leitura digital seria algo péssimo. Vai ver que nossa resposta empática à narrativa jornalística já é mais superficial – sem que sequer tenhamos percebido. A pesquisa sobre a leitura digital sugere uma hipótese clara para nosso experimento: parece plausível que o leitor do digital seja menos trans- portado por uma reportagem de for- mato longo, publicada numa revista, em virtude da velocidade e do grau de distração maiores que a leitura na tela traz. Se o leitor não dedicar certo tempo para conhecer devidamente o personagemdo relato, seu transporte provavelmente será mínimo. É menos provável, portanto, que a narrativa tenha um impacto em sua opinião ou que o leve à ação. Em outras palavras, se a leitura na tela está diminuindo a capacidade do lei- tor de ser transportado por um texto, o jornalismo terá menos impacto. É possível até que o leitor seja mais seletivo ao decidir o que vai ler – e que acabe deliberadamente evi- tando textos sobre gente incom- preendida e sub-representada em favor de grupos e narrativas com os quais já se identifica. Mas a coisa não é simples. E, natu- ralmente, omundo atual, todo conec- tado, tem suas vantagens. O fácil acesso à informação é só uma delas. Há motivos para ir devagar com o pessimismo. Quase toda tecnologia, ao surgir, veio acompanhada de aler- tas sobre seus efeitos nefastos para a humanidade. MaryanneWolf mos- trou que o cérebro humano não foi, em sua origem, concebido para ler – mas evoluiu com a crescente utiliza- ção de sinais e símbolos pelo homem. Pode ser que nosso cérebro também ache um jeito de se adaptar à leitura digital, sem prejuízo da capacidade humana de sentir empatia. Se vier a provar que a leitura na tela realmente reduz a empatia, nosso experimento não precisa, necessaria- mente, virar umalerta contra a leitura digital. Melhor que fosse o início de umdiálogo para enfrentar esses desa- fios – com o ajuste de estratégias de leitura ou até da estrutura de textos digitais. E se a pesquisa não apontar diferenças entre o impresso e o digi- tal? Vai ver, então, que nem tudo é tão terrível quanto certos estudos cientí- ficos sugerem. ■ lene bech sillesen , chris ip e david uberti são bolsistas do Delacorte Center na CJR .

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