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revista de jornalismo ESPM | cJR 53 ções jornalísticas. Isso deveria ser um escândalo de grandes proporções. Por anos, a CIA garantiu que a localiza- ção foi obtida graças aomensageiro – informação que na realidade foi con- seguida por meio de tortura. Apesar de haver umamatéria de Ali Watkins no Huffington Post sobre o assunto, a imprensa quase não men- cionou o fato de que as histórias sobre Bin Laden e tortura que a CIA conta são mentiras – narrativas que já vira- ram filme em Hollywood! Enquanto isso, em 36 horas a Slate publicou cincomatérias atacandoHersh. Talvez seja por isso que ele tratou o repórter da revista online comdesdémdurante sua entrevista lendária. Sabemos que o governo deumuitas declarações que mais tarde se reve- laram falsas sobre o ataque a Bin Laden. Os supostos detalhes, vários deles relatados “anonimamente” aos repórteres, eramnomínimo fantásti- cos –mesmo assim, os jornalistas dili- gentemente publicaram esses deta- lhes. Tambémsabemos que o governo mandou destruir as fotos do corpo de Osama bin Laden – o que possivel- mente viola a lei americana – e, em umamanobra inédita, transferiu todas as informações sobre o ataque para a custódia da CIA, imune às leis de acesso à informação. Em2011, o então senador John Kerry disse aos repór- teres para “calarem a boca e tocarem a vida”. O motivo de Hersh merecer mais atenção da mídia do que esses fatos escapa à minha compreensão. Uma opinião que foi ignorada por quase todos nesse debate é a de Car­ lotta Gall, correspondente de longa data do NewYork Times no Afeganis- tão e no Paquistão. Ela conhece mais sobre a região do que a maioria dos detratores de Hersh juntos. Recen- temente escreveu no Times que “não descartaria as alegações de Hersh de cara” e que “ele está acompanhando uma história que muitos de nós aju- daram a apurar”. Sobre sua denúncia de que foi umdelator que levou a CIA a Bin Laden, em vez de um mensa- geiro, Gall escreveu que “minha apu- ração bate com a de Hersh”. Eis que surgeRobert Baer, umreco- nhecido ex-agente da CIA (que serviu de inspiração para o filme Syriana , de George Clooney e Stephen Gaghan). Ele se recusou a criticar a matéria de Hersh ao ser entrevistado em um podcast e insistiu em que a versão do governo tinha que ser falsa. Baer, que é colaborador da CNN, não foi convi- dado pela emissora para dizer isso, é claro. Em vez disso, a CNN chamou PhilipMudd, o entusiasta da tortura, que se empenhou em desqualificar a investigação de Hersh, chamando-a de loucura, mas semnunca apontar o porquê. A revista Politico , especiali- zada emreportagens e análises sobre a política americana, não tevemuito cri- tério ao citar o porta-voz da CIA, Bill Harlow, para provar queHersh estava errado. Harlow é um dos mais famo- sos mentirosos da agência quando o assunto são as armas de destruição emmassa iraquianas, quemotivaram a invasão de 2003. O autor da maté- ria para a Politico mais tarde admi- tiu em uma entrevista para o Inter- cept que “porta-vozes como Harlow ‘normalmente são os menos infor- mados no universo da espionagem’”. [O Intercept é dedicado a reportagens combase nos documentos vazados por Edward Snowden.] Hersh sabe se defender Isso não quer dizer que todas as ale- gações na matéria de Hersh estejam corretas. Algumas podemnão ser ver- dade. Não tenho como ter certeza.Mas quemo desacredita tambémnão sabe. Infelizmente, os posts em blogs des- cartandoHersh logo de cara sãomuito mais numerosos doquenovasmatérias sobre sua investigação. Hersh não precisa que eu ou qual- quer outra pessoa o defenda. Ele é totalmente capaz de fazer isso sozi- nho, como tem feito em rede nacio- nal de rádio e TV ultimamente, para responder às perguntas arrogantes que a maioria dos repórteres jamais teria coragem de fazer a agentes do governo que estivessem mentindo descaradamente. “Estou na estrada há um bom tempo e entendo as con- sequências do que estou dizendo”, Hersh disse à CNN. É uma pena que os outros não entendam. Isso lembra um caso do início de sua carreira, quando era um repór- ter pouco conhecido no Vietnã e deu o furo domassacre deMy Lai. No iní- cio ninguémprestou atenção. Ele ten- tou vender suas matérias para a Life e a Look , e ambas o rejeitaram. Omate- rial acabou sendo publicado por uma agência de notícias pouco conhecida chamadaDispatchNews Service. Dos 50 clientes daDispatch, 20 recusaram o material de Hersh. Em alguns meses, as matérias de Hersh foram parar na capa do New York Times . Ele começou a fazer reportagens sobre os serviços de infor- mação. Em 1974, publicou um texto sobre como a CIA violava as leis fede- rais americanas ao espionar sistema- ticamente cidadãos americanos. Os outros meios de comunicação ridicu- larizaram Hersh. Eles questionaram suas fontes e disseram que o traba- lho era “um exagero”, “mal escrito e mal fundamentado”. Um ano depois, WilliamColby, diretor da CIA, foi for- çado a admitir para o Congresso que era tudo verdade. ■ trevor timm é diretor executivo da Freedom of the Press Foundation, organização sem fins lucrativos que apoia e defende jornalistas dedicados à transparência e accountability . Ele também escreve para o Guardian sobre privacidade, segurança nacional e imprensa. Texto publicado no site www.cjr.org em 15 de maio de 2015.

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