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54 julho | agosto | setembro 2015 no fimde abril, cerca de 120 líderes de redações e empreendedores jorna- lísticos digitais de mais de 30 países, reunidos em Copenhague na Conferên- ciaMundial de Liberdade daMídia, passarampor umexercício de ética edito- rial. Em um primeiro momento, foram confrontados com a seguinte questão: “Um grupo terrorista sequestrou um repórter de uma emissora concorrente em ação em outro país e ameaça matá-lo caso essa informação seja divulgada. O diretor de jornalismo concorrente entra em contato com você e pede para não levar a informação ao público. O que você faz?” Na convicção de que uma notícia não deve colocar vidas em risco, 95% dos presentes concordaram que o motivo era forte o suficiente para não divul- gar o sequestro. Em seguida, veio a segunda parte do exercício: “A informação vazou no Face- book e já tem mais de 100 mil likes . Agora, qual é a sua postura?” A amplamaioria dos participantesmudou na hora de opinião. Uma vez que as redes sociais derampublicidade, não haveriamais sentido emmanter o silêncio. O que o exercício revela, além da óbvia subjetividade implícita em decisões éticas? Que, emúltima análise, ao editor já não está mais reservada a hegemo- nia da decisão editorial. Um princípio básico da atividade de editor – o que deve ser divulgado e de que forma – está agora terceirizado ao Facebook e a seus irmãosmenores. Virou lugar-comumnas redações a constatação da perda desse controle moral para a turma do “dane-se” e “arrebente-se” das redes. Não raro, enquanto um grupo de editores discute como levar ao público o que ainda é apenas uma suspeita, o vale-tudo das redes já se ocupou de julgar e condenar ao inferno o acusado. Todo dia passou a ser dia de Escola de Base. O fim do domínio da ética editorial pelas redações poderia ter até um efeito O vale-tudo das redes Objeto sagrado das melhores redações, o código de ética é praticamente desconhecido das mídias sociais, onde todo dia passou a ser dia de Escola de Base por marcelo rech benéfico quando se leva em conta a saudável exigência de maior trans- parência em qualquer atividade – o jornalismo bem no alto dessa pirâ- mide. No entanto, quando a moti- vação da divulgação de um fato se subordina a interesses particulares, e não coletivos, como ocorre a todo instante nas redes, a ética do jorna- lismo profissional não é o primeiro valor a ser pesado. Mais grave: boa parte do que zune pelas redes é mera fantasia ou trucagem com motiva- ções que variam da ingenuidade à busca do poder a qualquer preço. Objeto sagrado das melhores reda- ções, o guia de ética é, naturalmente, um artefato desconhecido em vastas porções das mídias sociais. As consequências perversas da pro- dução caseira de informação adulte- rada ou sem aval ético são apenas a ponta do iceberg dos efeitos da ter- ceirização da decisão editorial. Ao mesmo tempo que um anônimo pode

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