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56 julho | agosto | setembro 2015 O quarto poder, que gostava de pensar que operava em esplêndido isola- mento de outros sistemas de poder e dinheiro, deslizou de repente e defini- tivamente para ummundo onde já não é dono dos meios de produção ou das rotas de distribuição. Nenhuma outra plataforma na história do jornalismo teve a concentração de poder e atenção usufruída pelo Facebook. Se se pode acreditar nos números ligados ao Facebook (1,3 bilhão de usu- ários, por exemplo), então o executivo de mídia mais poderoso do mundo é Greg Marra, gerente de produto do Facebook News Feed. Ele tem 26 anos. Emily observa que nenhuma dessas novas e grandiosas plataformas de dis- tribuição de conteúdo, como YouTube, Twitter, Linkedin, Instagram e outras, foi criada pela indústria de mídia ou por editores, mas por engenheiros. Pode- mos ir além: nossa penitência terrena se deve ao fato de terem sido engenhei- ros, e não as empresas de comunicação, os inventores de Adwords e AdSense, os instrumentos de publicidade via Google que sugam do mercado dezenas de bilhões de dólares todos os anos. É a perda dessa receita, somada àquela tragada pelo Facebook, que tem vaporizado sem perdão as redações de todo o mundo. A verdade é que estávamos aqui por uma missão: preservar um modelo que funcionava e, em última análise, gerava um impacto social com saldo amplamente positivo. Com a notável disposição de dar voz a tudo e a todos, os engenheiros do Vale do Silício vieram pôr isso abaixo e colocar um novo modelo no lugar. Para tornar as coisas ainda mais candentes, o Facebook estreou em maio passado o Instant Articles, uma ferramenta que oferece aos veículos o poder de publicar textos e vídeos diretamente na rede social. Em troca, o Facebook promete entregar uma velocidade dez vezes mais rápida de carregamento, uma vantagem crucial na era mobile, além de 100% da publicidade vendida pelo veículo ou 70% daquela comercializada por ele. The New York Times , BBCNews, The Guardian , National Geographic emuita gente boa foramos pri- meiros a pular para dentro do barco do Instant Articles. O que muitos viram como sinal decisivo de rendição, uma vez que os usuários do Face não pre- cisammais ser conduzidos por um link ao veículo de origem para ter acesso O jornalismo tem de se posicionar acima da disputa de audiência entronizada pela trinca BBB (bizarrices, bichinhos e bumbuns) ao conteúdo, é encarado pelos pionei- ros como uma oportunidade de che- gar a um público que não poderia ser alcançado de outra forma. Ou seja, o raciocínio de parte dos meios é que, se você não pode vencer o adversário, melhor juntar-se a ele, com a ressalva de que, se não for bom, basta se levan- tar e bater a porta atrás. Ética no mundo dos algoritmos No último CongressoMundial de Jor- nais e Editores, realizado no início de junho em Washington, moderei um painel com o sugestivo título “Quem gere as notícias?”. Emily Bell estava lá, junto com Tom Rosenstiel, um dos autores do clássico Os Elementos do Jornalismo (Geração Editorial, 2003), e Vivian Schiller, ex-diretora de news do Twitter, além de Liam Corcoran, do blog NewsWhip . Na introdução, procurei levantar perguntas cruciais para o nosso futuro. O Vale do Silício é a nova Fleet Street [rua que foi a sede da imprensa britânica até a década de 1980] ? Se for verdade, quais as implica- çõesdessenovosistemaparaademocra- cia? Qual a ética desse mundo em que algoritmos de empresas de tecnologia definemo que cada cidadão vai saber? Essas perguntas, emuitas outras, vão pender sobre nossa cabeça por anos à frente, mas é exatamente aqui, neste divisor de águas onde há um remoi- nho que nos prende à atual crise de identidade, que os editores e seus veí- culos de variados calibres, de blogs a conglomerados de comunicação,
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