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60 Julho | agosto | setembro 2015 tração recém-libertado de Dachau. Simbolicamente, ela foi fotografada na banheira do próprio Hitler enquanto limpava a sujeira de um campo de concentração nazista. E, conforme descobriríamos mais tarde, o profissional por trás da câmera eraDavidScherman, da Life , seu amante na época, que era judeu. Eles entraram no apartamento abandonado de Hitler e acamparam lá por vários dias. Na beirada da banheira está um retrato emoldurado de Hitler. Na mesinha fica um aparelho que ele usava para chamar seus assistentes. E em primeiro plano estão as botas que Miller usou naquele dia, enquanto um reló- gio de pulso masculino está em cima do uniforme mili- tar que ela despiu. Elaparecenãodar atençãoà câmera, os ombros curvados de um jeito tímido como se quisesse proteger a própria nudez. É uma sensualidade fingida, pois naquela época ela já tinha posado totalmente nua para centenas de fotos. Éuma coincidência de elementos que as pessoas podem chamar de surreal. Nadamais exato. Na verdade, LeeMiller era uma fotógrafa surrealista commuita prática. Ela apren- deu o simbolismo do gênero e também habilidades mais técnicas, braçais, como luz e composição, com Man Ray, o grande mestre avant-garde . Começou a carreira como modelo, foi amantedeManRay e sódepois viroualunadele. Modelo bem-sucedida na juventude LeeMiller nasceu emPoughkeepsie, Nova York, e durante a juventude foi umamodelo bem-sucedida emManhattan. Acabou achando aquela vida semgraça e foi para a Europa. Quando a guerra começou, registrou-se como fotógrafa de guerra para a revista Vogue . Clicou, entre outras coisas, a batalha da Alsácia, a libertação de Paris, o uso de napalm na batalha de Saint-Malo e os sobreviventes do campo de concentração de Dachau. Parece ter sido uma mulher aventureira e glamourosa que viveu a vida ao máximo. E foi mesmo. Entre seus amantes estão Pablo Picasso e Charlie Chaplin, de acordo com seus biógrafos. Lee acabou se casando com Roland Penrose, tornou-se lady Penrose e foi morar no interior da Inglaterra. Pode parecer que ela se acomodou emuma vida doméstica, mas não. Roland Penrose era um artista e também um boêmio. Os biógrafos de Lee, entre eles o único filho, Antony Penrose, a retratam como um espírito livre. No entanto, ela acabou ficando deprimida e se tornou alcoólatra. Alguns, incluindo o filho, sugerem que Lee sofria do que ficaria conhecido como transtorno de estresse pós-traumático. Antony Penrose conta que, no final da vida, a mãe normalmente era desagradável e infeliz, um contraste forte com a época da guerra, quando ela era descrita como gentil e solidária com todos ao redor, fossem sol- dados ou refugiados. Ou, simplesmente, pode ser que ela tenha achado tudo insuportavelmente monótono depois da guerra. Maureen Dowd, uma amiga minha de longa data, com quem trabalhei na redação de Washington do New York Times , sempre se interessou muito por essas mulheres corajosas de antigamente, e fiquei curioso para saber se ela conhecia Lee Miller. Eu devia ter adivinhado a resposta. Maureen era fascinada por Miller já fazia tempo. E, quando esteve no Iraque depois da segunda Guerra do Golfo, fez um tributo à fotógrafa. Ela estava viajando com Robert Gates, secretário de Defesa dos Estados Unidos, e com Elisabeth Bumiller, que era correspondente do Times no Pentágono. Quando a comitiva visitou uma base dos EstadosUnidos que ficava em um antigo palácio de SaddamHussein, ela viuuma banheira usada por Saddame teve uma inspiração. Entrou depressa no banheiro comBumiller e trancou a porta. E, em homenagem a Miller, agachou na banheira, repetindo a pose da fotógrafa. Bumiller clicou o retrato, que Dowd enquadrou com orgulho. ■ neil lewis foi correspondente do New York Times por 24 anos. Em 2010, depois de se aposentar, tornou-se professor na Duke Law School e bolsista na Kennedy School. Lee Miller parece ter sido uma mulher aventureira e glamourosa. E foi mesmo. Entre seus amantes estão Man Ray, Pablo Picasso e Charlie Chaplin Texto publicado no site www.cjr.org em 29 de maio de 2015.
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