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64 julho | agosto | setembro 2015 20 repórteres e editores da Associa- ted Press. Dois casos revelados no ReinoUnido em2014mostraramque a polícia tinha secretamente (e sem autorização judicial) utilizado leis antiterrorismo para descobrir com quem jornalistas do Mail on Sunday e do Sun vinham falando. Nenhumdos casos tinha a ver com terrorismo ou coisa que o valha. Os jornais – que não haviammostradomuita simpatia por Edward Snowden e suas revelações – ficaram, obviamente, indignados. A conduta desses órgãos dificil- mente vai mudar. E, como vimos ao longo do último ano, é pouco prová- vel que um congresso ou parlamento imponha freios a leis que autorizam a bisbilhotagem por parte do Estado, depois de promulgadas. Logo, a pri- meira lição da era pós-Snowden é que o comportamento de repórteres e edi- tores terá de mudar. Expor uma fonte, não importa o lugar, costuma serumcrime imperdoá- vel. Emdemocracias sólidas, é algoque pode levar a fonte a perder o emprego, destruir sua carreira e até levá-la à pri- são. Emlugaresmais hostis doplaneta, o resultado pode ser bem pior – pode levar à tortura e até à morte. Todo jornalista tem, portanto, a responsabilidade moral de assimi- lar o que Edward Snowden vem nos dizendo. Mas quantos já o fizeram? Meu palpite é que, entre repórteres, apenas umaminoria fez algumesforço para descobrir formas de comunica- ção (relativamente) seguras e apren- der a enviar e receber e-mails crip- tografados. Quantas organizações jornalísticas têm servidores seguros para fontes que queiramenviar algum material sem correr riscos? Quantos correspondentes estrangeiros muda- ram de conduta em relação a celula- res ou equipamentos de informática que levam em viagens? Alguns, sim. Minha suspeita é que a maioria, não. O que leva à segunda, e ainda mais profunda,questãolevantadapelacober- turadocasoSnowden:aessência,ainde- pendência e a finalidade do jornalismo. Dano causado por Snowden? Senti esse questionamento de forma aguda na Grã-Bretanha – até porque uma série de colegas editores não acharam que as revelações de Snow- denmereciam tanta atenção. Ou, pior, foramdefinitivamente contra o Guar- dian e sua atitude. Os serviços de inteligência, que pro- curaramdiscretamente vários jorna- listas para dar sua visão do dano cau- sado por Snowden, não devem ter acreditado na própria sorte ao ver tantos morderem a isca semnenhum questionamento. O Guardian foi bru- talmente acusado por membros da classe jornalística de pôr em risco a vida de cidadãos britânicos e de algo como traição ou sedição. Três jornais chegarama declarar que umjornalista não tinha competência para decidir o que era de interesse público quando a segurança nacional estava em jogo. A julgar pela reação de certos cole- gas da imprensa, Snowden tomouuma decisão sábia ao procurar o Guardian . Outros jornalistas teriam, quando muito, ignorado a história – e alguns até mandado prendê-lo. No auge da celeuma, Chris Blackhurst, ex-editor do jornal The Independent , escreveu: “Se os órgãos de segurança afirmam que algo é contra o interesse público e pode prejudicar suas operações, quem sou eu para dizer que é men- tira?”. Edward Lucas, um correspon- dente sêniorda Economist , disseque, se Snowden tivesse oferecido omaterial a ele, sua reação teria sido arrastá-lo direto para uma delegacia de polícia. A meu ver, a resposta à pergunta de Blackhurst – “quem sou eu?” – é simples: você é um jornalista. Você não faz parte doEstado oudo governo. Sua função é revelar, não ocultar. Você não semistura comopoder parapoder vigiá-lo. Sua função é estar totalmente atento a todos os interesses públi- cos levantados pelo fato – e publicar aquilo que julgar importante domodo mais responsável que suas faculdades permitirem. Só entãopoderáhaver um debate esclarecido. Como jornalista, você tem tanto direito de pesar esses interesses públicos quanto um polí- tico, um policial ou um juiz. Foram dias estranhos, aqueles. Sobretudo quando três jornais esta- vam entre os críticos mais ferrenhos de qualquer tentativa de regular a imprensana esteiradoRelatórioLeve- son (relatório do Inquérito Leveson sobre a investigação das práticas e da cultura da imprensa doReinoUnido) . Por um lado, defendiam a autor- regulação, pois a imprensa seria um poder altaneiro e independente. De outro, contudo, sustentavam basica- O Guardian foi brutalmente acusado de pôr em risco a vida de cidadãos britânicos
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