RJESPM 14.indb

revista de jornalismo ESPM | cJR 65 mente que o Estado devia ter prima- zia sobre a imprensa na hora de deci- dir o que pode, ou não, ser publicado sobre amoderna espionagem. Erauma tese estranha para ser defendida por editores – justamente eles –, embora, por sorte, editores no resto domundo tenham, em suamaioria, visto a coisa de modo bem distinto. Estamos acostumados a ver o Estado acusando o jornalismo de ter causado dano. Foi o que o governo americano alegou comDaniel Ellsberg no caso dos Papéis do Pentágono (o chefe de gabinete de Nixon, Alexan- der Haig, classificou o vazamento de “devastador” [...] “uma violação da segurança damaiormagnitude que já testemunhei”). No caso doWikileaks, a gritaria foi similar. Em ambos os casos, a alegação de que houve dano perdeu força com o tempo. Isso não quer dizer que as revela- ções de Snowdennão causaramalgum estrago a serviços de inteligência de uma ou outra potência ocidental. Não temos como comprovar efetivamente essa alegação. Ouvi de uma fonte bem situada nos círculos do poder que cer- tas coisas reveladas por Snowden pre- judicaram, sim, operações de coleta de inteligência. Mas também ouvi – de uma série de gente que considero igualmente bem-informada – que o jornalismo do Guardian não causou nenhum prejuízo. Sempre que ouço membros dos serviços de segurança dizerem que os bandidos estão “going dark” – fechando o bico, ficando na moita –, lembro de um ensaio com esse mes- míssimo título do professor Peter Swire, especialista em internet, priva- cidade e criptografia que trabalhou na CasaBranca e integrou o painel criado por Obama para examinar questões suscitadas pelo caso Snowden. “Devido a novas tecnologias (...) for- ças de segurança pública e agências de segurança nacional perdem, sim, certos poderes que tinhamaté então”, escreveu Swire no ensaio, de novem- bro de 2011. “Essas perdas isoladas, no entanto, sãomais do que compen- sadas ​por ganhos imensos. O debate público devia reconhecer que vive- mos uma verdadeira era dourada na vigilância. Ao entender isso, podemos refutar pedidos de políticas de crip- tografia lesivas. No plano mais geral, devemos avaliar de forma crítica uma vasta gama de propostas e erguer uma infraestrutura de informática e comu- nicação mais segura.” A segurança reside na liberdade No caso dos Papéis do Pentágono, a Suprema Corte americana mostrou uma compreensão maior dos direi- tos e liberdades da imprensa do que certos editores britânicos durante o estranho período em 2013. Lá atrás, em 1972, a corte validou uma norma que tornaria praticamente impossível para oEstado censurar a imprensa sob a alegação de danos. A decisão protegia a imprensa a menosquea informaçãoaserpublicada trouxesse o riscode “danodireto, ime- diatoe irreparável ànaçãoouaopovo”. Dois juízes da Suprema Corte foram além: a seu ver, a Primeira Emenda da Constituição americana era absoluta. Umdeles, o juizHughBlack, escreveu: “Ao revelar decisões do governo que levaramàGuerra doVietnã, os jornais fizeramexatamente aquiloqueosFun- dadores [da nação] esperavam e acre- ditavam que fizessem”. A decisão da maioria (6 a 3) da Suprema Corte ecoava parte do pare- cer de um juiz numa instância ante- rior: “A segurança da nação não está só em suas muralhas. A segurança tam- bém reside no valor de nossas insti- tuições livres. Aqueles que ocupam o poder devem aceitar uma imprensa implicante, uma imprensa obstinada, uma imprensa onipresente para que sejam preservados os valores ainda maiores da liberdade de expressão e do direito do povo à informação”. O julgamento dos Papéis do Pentá- gono foi importante porque eliminou a ameaça de censura prévia de repor- tagens dessanatureza. Emoutras pala- vras, os juízes tinham fé absoluta que jornalistas responsáveis podiam, sim, tomar decisões refletidas sobre o inte- resse público na hora de dar ou não uma informação – em vez de deixar o Estado decidir em seu lugar. Essa, sem dúvida, é uma boa defi- nição do papel de uma imprensa real- mente independente. Mas eliminar a ameaça de intervenção prévia tam- bém contribui muitíssimo para que jornalistas e editores possam enten- der qualquer dano possível que possa ser causado pela publicação de infor- mações sobre a segurança nacional. Eliminada a possibilidade de que o Estado irrompa na redação de um jor- nal para apreender material, prender indivíduos ou impedir a publicação, imediatamente épossível ter uma con- versa mais equilibrada. Não foi assimnaGrã-Bretanha, onde o Estado (depois de uma trégua ini- cial) fez o oposto: fez ameaças explí- citas para impedir a publicação e/ou

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