RJESPM 14.indb
revista de jornalismo ESPM | cJR 71 Biografia Júlio Mesquita e a economia de seu tempo Além de tudo que se falou, geralmente bem, sobre Júlio Mes- quita e Seu Tempo , de Jorge Caldeira, é necessário ressaltar a im- portância do quarto volume da obra, que funciona como um gran- de anexo (a biografia do fundador da dinastia que comanda o Es- tadão termina no terceiro volume). Trata-se de uma contribuição seminal que o autor deixa para os futuros estudos da história e da economia do Brasil, da libertação dos últimos escravos em 1888 até a década de 1920: são 360 pá- ginas de dados organizados de tal forma que possam expressar a atividade econômica na virada do século 19 para o 20. Como conta na introdução da sua volumosa obra (1.740 páginas), Caldeira julgou importante compilar e publicar esse conjunto de in- formações, uma vez que, em suas pesquisas, deu-se com a falta de dados e estatísticas, oficiais ou não, sobre o conjunto da produção brasileira naquele período. O Estado brasileiro não levantava dados que hoje consideramos corriqueiros. E o país era uma espécie de con- junção de pedaços descombinados, com uma ocupação desigual – os dados que aqui gorjeavam não gorjeavam como lá, por assim dizer. A dificuldade se revelava especialmente clara, conta o autor, quan- do tentava comparar o tamanho do sucesso de Mesquita com o cres- cimento da economia brasileira no mesmo período. Ao constatar que O Estado cresceu 10,5% ao ano entre 1888 e 1927 – quando morreu, Mesquita deixou o jornal 54 vezes maior do que era –, Caldeira queria saber: isso era normal entre as empresas da época? O ritmo de cres- cimento do Estadão foi maior que o crescimento da economia local ou que o crescimento do PIB brasileiro? Não havia como. Na falta de dados, Caldeira se propôs a pesquisar uma miríade de dados que permitem comparações e compreensões daquele tempo. Com isso, além de esclarecer a curiosidade de seus leitores, Caldei- ra produziu bases para futuros es- tudos sobre o período, não só sobre a imprensa, mas sobre a produção agrícola e industrial e as finanças do país e do Estado. Além dessa característica peculiar do quarto volume do trabalho, Júlio Mesquita e Seu Tempo também pode ser visto como uma obra composta de outras obras: ao narrar a vida do jorna- lista, empresário de imprensa e políti- co republicano, o autor estudou deta- lhadamente aspectos importantes da história do período, como pano de fun- do para a atuação de seu personagem. Assim, apresenta novidades mes- mo para estudiosos de história, como a descrição que faz sobre a incrível riqueza dos fazendei- ros e donos de tropas de burro do interior de São Paulo, que, ao mobilizar suas fortunas co- mo capitalistas, a partir da im- plantação das estradas de fer- ro, financiaram o ciclo econô- mico que impulsionou o cres- cimento do Brasil na Primeira República. Também é um livro dentro do livro a descrição sobre o sistema político eleitoral e o perfil dos presidentes da Primeira Repú- blica. A forma como a república manteve ou até ampliou o au- toritarismo essencial do impé- rio (excluindo o voto dos anal- fabetos, por exemplo), a revela- ção de Prudente de Moraes co- mo um democrata e de Campos Salles como um inábil condutor da política econômica brasilei- ra são alguns aspectos que de- safinam o coro da historiografia dominante sobre o período. Há ainda uma leitura inteira- mente nova sobre a Guerra de Canudos, que se soma ao conjun- to dominado pelos clássicos de Euclides da Cunha e Walnice Gal- vão. Caldeira explora as razões que levaramMesquita a mandar Euclides da Cunha para o front à luz do que ocorria no mundo com os grandes jornais e seus enviados para rincões distantes do planeta (o paradigma que ele associa é o de Henry Stanley cor- rendo pela África atrás do famo- so Dr. Livingstone). Visto assim, como uma pe- quena biblioteca, a obra nem parece tão volumosa. ■ Júlio Mesquita e Seu Tempo Jorge Caldeira Mameluco, 2015 1740 páginas (4 volumes) profissão Sem crachá é até melhor Vivemos um tempo em que o emprego acaba, mas há cada vez mais trabalho a ser feito. É o que constatam os que são de- mitidos ou que demitem seus patrões. Claudia Giudice, a au- tora de A Vida sem Crachá , foi demitida da Editora Abril em um dos inúmeros cortes dos úl- timos anos. Laurentino Gomes, que escreve o prefácio, demitiu a mesma empresa. Ambos se tornaram empreendedores e descobriram que há vida fora do aquário. Claudia tinha aberto uma pousada na Bahia algum tempo antes e decidiu torná-la o seu negócio. O livro, narrado em primeira pessoa, conta como foi o rito de passagem de uma encarnação à outra. Mas, desde a primeira linha, é voltado para inspirar e incentivar quem pen- sa em criar um negócio. O que é cada vez mais necessário e, no entanto, não nos ensinam nas escolas de jornalismo. ■ A Vida semCrachá Claudia Giudice Agir, 2015 192 páginas REPRODUÇAO REPRODUÇAO leão serva é jornalista, professor do curso de graduação em Jornalismo da ESPM e escritor, autor de Jornalismo e Desinformação (Senac, 2001) e coautor de Como Viver em São Paulo Sem Carro – 2013 . Dirige a agência de conteúdo Santa Clara Ideias.
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