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72 julho | agosto | setembro 2015 credencial roberto muylaert O segredo está na pauta Meio de comunicação que mais cresce no Brasil, a internet é também responsável pela mesmice na condução de reportagens ao surgir a ameaça digital , amaio- ria dos editores analógicos fez a lição de casa: em pouco tempo, as versões digitais de suas revistas estavam dis- poníveis, de graça, enquantobuscavam replicar as receitas de publicidade do modelo analógico. Época em que o pop-up e o ban- ner eram o máximo de criatividade no gênero. Não deu certo, emuita gente come- çou a dizer que dessemato digital não sairiam coelhos pagos. Mal sabiam que as maiores receitas de publicidade ainda estavam por vir, mudandoaescalademilhãoparabilhão, a partir de alguns sitesmuito especiais nascidos noValedoSilício, nosEstados Unidos, comsua forma pulverizada de arrecadar anúncios emnichobemdefi- nido e a preços acessíveis. Foi fácil perceber que a instanta- neidade da notícia era um respeitá- vel diferencial em relação ao imutá- vel texto que se recebia impresso junto com o café da manhã e que só seria substituído no dia seguinte. A internet disparou, sendo hoje o meio de comunicação que mais cresce noBrasil, ondeumquartodapopulação temacessoà rede, navegando3h41min/ dia,maisdoque assiste aTV, que atinge 76,4%daamostrapesquisadapeloIbope paraaSecretariadeComunicaçãoSocial daPresidênciadaRepública (Secom). E os produtos analógicos baixaram para umdígito empercentagem. Quanto ao jornalismo na rede, Michael Massing, pesquisador ame- ricanoda área demídia e política inter- nacional, assina umartigona NewYork Reviewof Books sobreaqualidadedessa produção e seu impacto sobre a socie- dade. A conclusão é que ali reina o lugar-comum e a falta de imaginação, pois “nãohá furos de reportagem, nem pautas que propiciem debates”. Mas foi ao interligar redes e con- gregar pessoas que a internet supe- rou a expectativa do mais otimista dos futurólogos, comdestaque para o Google, o buscador que todos usam e que temas informações que a humani- dade conseguiu reunir desde sempre. Feitosimilar tentaramaBibliotecade Alexandria, do século 3 a.C., que alme- java reunir 500mil rolospara ter “todos os livros de todos os povos domundo”, e a Biblioteca de Babel, na ficção de Jorge Luis Borges de 1944. É a metá- fora da sociedade de informação, mais atual doquenunca, apartir dos 25 sím- bolosortográficos, 22 letrasdoalfabeto, o espaço, o ponto, e a vírgula, para for- mar todas as combinaçõespossíveis em todos os idiomas. Ali não há dois livros idênticos, embora todos tenham 410 páginas, e para uma linha razoável de informações corretas haja “léguas de insensatas cacofonias, confusões ver- bais e incoerências”, tal qual o Google. Como referência de busca diária para todo gênero de informação, o Google talvez possa ser responsabi- lizado também por uma pasteuriza- ção das matérias jornalísticas, já que todos bebem na mesma fonte. Na revista mensal Ícaro, que edi- tei por 11 anos, uma pauta que exigia meses de reportagem de campo era a edição anual O Bom do Brasil , que destacava o que o país tinha de bom, podendo ir de Ariano Suassuna a uma professora primária de Alagoas que conseguia bons resultados ao dar aulas na praia, até a jabuticaba e a goiabada. O leitor percebe o esforço exigido na elaboração de umamatéria original coma qual se identifique, e reage bem. O segredo está nas pautas além- -Google, com informações de fon- tes variadas que cada jornalista pode conseguir, como faz a revista inglesa Monocle , com 77 mil exemplares de circulação mensal. Seu editor, Tyler Brûlé, famoso por seus hábitos luxuosos, não tem pre- guiça: busca pautas variadas e atrati- vas mundo afora, tendo o bom gosto como denominador comum. Numa entrevista anticlímax expli- cou que o seu jeito de trabalhar é retrô: mandar, a cada mês, diversas equipes aos locais escolhidos, para fazer repor- tagens frente a frente comos entrevis- tados e tirar fotografias caprichadas. Esse método tradicional, que mui- tos consideram superado, parece dar certo: Monocle vendeu agora uma par- ticipação minoritária para a Nikkei Inc. do Japão, estabelecendo como referência seu valor em115milhões de euros, a partir de um investimento de 10milhões, em2007. Revista impressa pode ser bom negócio. ■ roberto muylaert é jornalista e faz parte do Conselho Superior da Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner). Foi presidente daFundação Padre Anchieta e da Fundação Bienal de São Paulo, e diretor de revistas como Veja , Exame e Visão .

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