RJESPM 15
14 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015 pressão sobre jornalistas segue cres- cendo. Além disso, a natureza inter- conectada do mundo digital, no qual tudo o que é publicado ou dito tem caráter basicamente imediato, glo- bal e permanente, torna qualquer ameaça preocupante. O pior é que isso pode estar deixando o jornalista receoso de cometer qualquer erro – pelo medo, já manifesto, de que o resultado possa ser de fato doloroso. Envolvimento emocional Diretor executivo do Dart Center, Bruce Shapiro detectou uma série de tendências que demonstram a com- plexidade dos desafios enfrentados pelo jornalista e o saldo emocional de alguns deles. Primeiro, diz Shapiro, há o que ele chama de “dano moral”. É a ideia de que cometer um erro na cobertura de uma cena de violência, digamos, ou achar que sua conduta não foi ética poderiam traumatizar o jornalista. Shapiro cita como exemplo a inves- tigação do massacre num acampa- mento de verão na Noruega: alguns jornalistas mais jovens que cobriram a carnificina passaram a sentir culpa por ter identificado as vítimas e sol- tado informações incorretas ao des- crever empormenores o caótico aten- tado. “Será que meu erro foi um des- lize ético e causou ainda mais sofri- mento àquelas vítimas?”, era a per- gunta que se faziam. Uma segunda tendência é a utili- zação de redes sociais para publicar imagens extremamente fortes. Sejam produzidas por vítimas (ou parti- cipantes) das guerras na Síria e na Ucrânia, entre refugiados chegando (às vezes, mortos) a praias europeias, ou vítimas da fúria das multidões na Índia, no Oriente Médio e em outros lugares, esses vídeos e fotos hoje são enviados aos milhares a veículos de comunicação. E, na maioria dessas organizações, um pequeno número de jornalistas tem o importante mas traumático dever de conferir todos e decidir se algum deve ser publicado. Imagine, se puder, o que é esse traba- lho, dia após dia. Shapiro também aborda o que acontece commuitos jornalistas que, depois de expostos a episódios alta- mente perturbadores, precisam vol- tar à vida “normal” – na qual pouca gente, incluindo colegas e chefes, parece entender o que os profissio- nais viveram. É um pouco como o soldado que esteve em combate e, de volta a casa, percebe que nada mudou e se pergunta se terá valido a pena. Volta e meia, é isso o que o jor- nalista de volta ao trabalho normal parece sentir em relação aos cole- gas e ao próprio meio de comunica- ção para o qual trabalha (o qual de forma geral está perdendo influên- cia e importância entre o público ou demitindo gente): “Vi e vivi coi- sas chocantes, mas ninguém parece ligar e pouca coisa mudou”. O acon- selhamento pelos pares é, portanto, uma nova e importante iniciativa do Dart Center, que espera fortalecer a cultura de aceitação e apoio no seio de organizações de mídia. Omundo, hoje, não é inerentemente mais violento ou perturbador do que foi no passado – é só pensar na peste negra na Europa, no Holocausto, em guerras que duraramdécadas, na fome em massa na China, na África e em outros lugares, emdesastres naturais de grandes proporções como tsuna- mis e terremotos. A diferença, atual- mente, é que jornalistas – amadores e profissionais – presenciam e narram esses trágicos episódios. E, em cer- tos casos, viram alvo por causa disso. Não devíamos ficar surpresos pela necessidade de um organismo como o Dart Center for Journalism and Trauma seguir crescendo – e a um ritmo que, infelizmente, não dá sinal de que vá arrefecer. ■ david klatell é responsável pela área de estudos internacionais da Columbia Journalism School. Auxiliou no desenvolvimento de emissoras de televisão e agências de notícias em Portugal, Suécia, Suíça e China. Depois de ficar exposto a momentos de barbárie, é difícil voltar à rotina da redação, onde pouca gente, incluindo colegas e chefes, parece entender o que o profissional viveu
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