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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 59 a democracia e a formação de valo- res no espaço público. Essa inquietação é importante por- que parte desse novomundo se cons- trói em oposição àquilo que acorren- tava o velho mundo. É consequência, ao menos parcialmente, das limita- ções, inclusive democráticas, do velho sistema. A autoridade e a distância existentes antes – pense na autori- dade do pai ante o filho, do marido frente à esposa – tinham componen- tes antidemocráticos. Hoje há uma democratização efetiva nas relações sociais. E isso é uma coisa boa. Aques- tão é como neutralizar os elementos negativos, mas sem tentar uma volta ao passado. E vale aqui uma crítica ao mundoantigo: opoder de alguns veícu- los e de alguns jornalistas era enorme. É ótimo não depender de que algum jornal publique o meu artigo. Por um lado, para a sociedade democrática, o jornal é fundamental como crítica ao poder político e econômico. A voz da sociedade se dava por meio desse instrumento jornalístico, e era cru- cial para a democracia, apesar de que o veículo era ele próprio uma estru- tura de poder, com uma série de des- vios antidemocráticos. Os jornais foram importantes em um contexto em que faziam parte de correntes de opinião política e ten- dências ideológicas político-parti- dárias, que de alguma forma orga- nizaram visões de mundo. Eles se associavam a esse ambiente cultu- ral e político. Não existem no Bra- sil correntes de opinião formado- ras de visões de mundo. Isso é um desafio para os jornais e para o jor- nalismo. Na medida em que os par- tidos políticos perderam essa capa- cidade de elaborar visões de mundo, dentro das quais as pessoas se inte- ressam pelo que acontece e procu- ram informações que alimentam suas interpretações desses fatos, há uma perda de substância. Há uma crise de representação da sociedade democrática. Não há mais visões de mundo, e o que se procura é a última fofoca quemandarampelo Facebook. Destruição dos jornais Essa revolução no modelo de infor- mação está destruindo os jornais por dois ângulos: de um lado, tirando a publicidade; de outro, criando uma cultura de informação grátis. Por que pagar por um artigo se ele apa- rece de graça no Google? Com isso, o mundo virtual destrói o modelo de negócios do jornalismo, seja via publi- cidade, seja via assinatura ou venda nas bancas. E aí temos um problema maior: omodelo de negócios da inter- net. A maior empresa de informa- ção do mundo – o Google – não pro- duz nenhuma informação. A maior empresa de hospedagem, Airbnb, não possui um único quarto. Amaior empresa de táxi, Uber, não tem um carro. A maior empresa de comércio e varejo, Amazon, não temuma loja. O modelo de negócio desse mundo vir- tual afeta diretamente todos os pro- dutores, inclusive os de conteúdo. Tudo virou commodity, pois é possí- vel, pelo sistema de comparação de preço, conseguir o preço mais baixo. Com isso, não hámais lugar para uma loja especializada, fundada no know how de seu staff. É umproblema uni- versal que afeta o jornalismo: como financiar um produtor de conteúdo especializado e caro. No passado, o jornalismo era um tipo de poder. Era umauditor público que procurava e disponibilizava infor- mações no espaço público. Aomesmo tempo, o jornalismo era parte desse sistema social do qual era o watchdog . E isso incluía uma postura acrítica em relação ao jornalismo e aos jornais – a crítica era sempre aos “outros”, em nome do estado de direito. E isso era parte do jogo democrático. Era o quarto poder, no sentido em que fun- cionava em conjunto com os outros poderes, nunca questionados em suas bases. Esse é o jornalismo tradicio- nal. O que acontece hoje no mundo da internet é diferente. Há um ques- tionamento da própria vida política, uma insatisfação como sistema demo- crático, uma desconfiança em relação a todos os políticos, todos os políticos têm de ser corruptos ou pelo menos não têm princípios. Há um questio- namento radical constante. Qual é o problema da internet do ponto de vista da construção do es paço público? Existe a informação, mas não podemos confiar nela, porque frequentemente a fonte é anônima. Ainda precisamos dos grandes jor- nais, pois as pessoas, apesar de tudo, ainda confiam neles. Um ponto cen- tral que os veículos têm de entender é que precisamos seguir valorizando a elite, não no sentido elitista da palavra, refiro-me às pessoas que têm um interesse acima da média de se informar mais emelhor. O objetivo da imprensa sempre foi o de formar elites. Precisamos ter uma linha clara do certo e do errado. E aí vale uma crítica: acho que o jornalismo está muito na defensiva. Há artigos de fundo mostrando como esse mundo digital é confuso, conspiratório, cheio de erros de informação. Não é preciso ter medo desse novo mundo, pois inclui informações relevantes. Novas realidades podem trazer melhoras para a vida do cidadão. O Uber pode aperfeiçoar os serviços dos táxis, mas para que isso aconteça as opiniões e denúncias devem passar por um debate público informado e refletido. O que temos é um problema de modelagemda nova sociedade demo- crática. A sociedade se democratizou emvários aspectos, mas desestruturou os meios de comunicação – e isso está afetando a todos, emparticular a qua- lidade do debate no espaço público.
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