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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 61 anossacrença democrática depende do jornalismo. Nós acreditamos que, quando o poder emana do povo, o mundo funcionamelhor. Para que isso dê certo, é preciso existir uma insti- tuição extra-Estado que consiga infor- mar a sociedade, abrir canais para o debate e que fiscalize o exercício do poder. Essa instituição é a imprensa. Sem ela, a crença democrática perde vitalidade, fundamento e razão de ser. Para a democracia ter futuro – e pode ser que ela não tenha, porque isso também está em discussão –, é pre- ciso existir imprensa. O jornalismo é o idioma, ou o método, da institui- ção imprensa. Ummétodo que resulta da aglutinação de certas práticas de aprendizado social que foram intui- tivamente elaboradas e que geram uma forma de ver, de apurar, de nar- rar, uma forma de intervenção. Dife- rentemente do postulado liberal, que coloca a imprensa comouma conquista da democracia, essa abordagem é um pouco mais funcionalista. Ela consi- dera que, sem uma engrenagem que abasteça o cidadão do que ele tem o direito de saber, a roda da democra- cia não gira. A experiência da comunicação pú blica é fundamental, porque elapropõe outra maneira de sustentar o negócio de apurar histórias e debater ideias. Uma sustentação que não dependa de mercado. Esse é umtema crucial e que não foi respondido. Como assegurar um lugar institucional, mas aomesmo tempo não estatal, para a imprensa e para o jornalismo? O jornalista da nossa geração é como o passarinho de gaiola. Esse passarinho só canta lá dentro e pre- cisa de outro para aprender a cantar. O jornalista de redação é assim. Fora das grades de proteção da redação, fora do ecossistema do negócio con- vencional, ele não sobrevive. Solto na natureza, é um bicho que se perde. O foca chegava à redação e aprendia com o mais velho, assim como o pas- sarinho. Uso essa metáfora porque é possível que estejamos falando de um modo de vida em extinção. Omodelo de negócios que é a gaiola não está em crise – ele foi para o espaço, aca- bou. Ainda irá sobreviver por alguns anos, mas será apenas um resquício. A imprensa é insubstituível Não há jornalismo sem democracia e não há jornalismo que não tenda à democracia. Ryszard Kapuscinski dizia que Heródoto foi o primeiro jornalista. É uma imagem sensacio- nal e que só poderia vir de um repór- ter polonês durante o stalinismo. Mas ao considerarHeródoto um jornalista, ele esquece que o jornalismo se define por aquele a quem se destina: o cida- dão titular do direito à informação. O jornalismo não é uma forma estilística, não é uma forma discursiva, embora também tenha isso. Ele é o exercício do atendimento do direito à informa- ção. Isso só existe num patamar que tenda à democracia ou que constitua uma forma ainda que rudimentar de democracia. Portanto, Heródoto não tinha nada de jornalista, ele era um historiador, o que é outra coisa. por eugênio bucci Instituição a serviço do que o cidadão tem o direito de saber Só há jornalismo na democracia. O jornalismo é uma experiência do século 18 para cá. Antes havia rascu- nhos disso. Quando ele aparece, surge como a expressão da opinião. A obje- tividade tem a ver com a industria- lização e com a ideia de que o jor- nalismo produziria uma informa- ção que tinha valor de mercado. Foi quando teve início a prática de escre- ver coisas que as pessoas gostavamde ler – o jornalismo como “aquilo que a gente põe nas costas do anúncio”. Com a crise do modelo de negócios, isso também pode se perder. Onde poderá haver, no futuro, um abrigo, uma casa que hospede essa prática, um lugar no qual as pessoas busquem informação confiável? O jor- nalismo é ummétodo de abordagem e de apuração, ummétodo de narrar, um método de interlocução. E pode gerar coisas preciosas que nenhum outro método seria capaz de gerar, até com beleza literária. O Carlos Eduardo tem razão em dizer que a folia de internet não preocupa tanto. O que preocupa é o método se ren- der a isso, porque ele não consegue se financiar de outra forma. A socie- dade não fiscaliza o poder. O cidadão não fiscaliza o poder. Só esse método fiscaliza o poder. Tenho a descon- fiança de que esse método é imbri- cado na concepção democrática. E o desaparecimento de tudo que esta- mos observando agora talvez seja o risco mais grave para a democracia. É na intersecção entre a sociedade e o Estado que a imprensa é insubs tituível. OMinistério Público, as cor-
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