RJESPM 15

62 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015 regedorias, controladorias, os tri- bunais de contas, todos esses meca- nismos funcionam financiados pelo poder público – e é muito bom que funcionem– e fazemde alguma forma uma fiscalização do exercício de poder. Mas é preciso que a sociedade tenha como olhar tudo isso do lado de fora. É preciso que as pessoas possam ver como essa máquina está funcio- nando, que possam dotá-la de pare- des de vidro e ver o que os homen- zinhos ali dentro estão fazendo. A imprensa não é um dos métodos, ela é o único método, a única institui- ção que permite, na intersecção da sociedade com o Estado, um campo de visão que nos ajude a fiscalizar o Estado. Nada existe que substitua essa instituição para fazer com que a sociedade enxergue de fora para den- tro o que se passa dentro do Estado. Ondas tecnológicas A revolução da internet e das esferas digitais, tudo isso nada mais é do que a revolução de Gutenberg. Não é uma nova revolução. Nós já vivemos 200 revoluções, uma cadeia de inovações e terremotos de paradigmas e padrões tecnológicos que vêmemondas suces- sivas ligadas umas às outras. O que acontece com a imprensa em parti- cular? A imprensa surge como uma imprensa de opinião com o texto, e depois com figuras. As guerras dos Estados Unidos eram cobertas com desenhistas, antes dos fotógrafos. Depois vem o telégrafo, a fotografia, e aquilo que era acessório dos jor- nais, com os meios de comunicação em massa, passa a ser o carro-chefe – é o entretenimento, que vira uma indústria particular. Quando o entre- tenimento se torna a locomotivamais importante, a imprensa vira algo aces- sório e os jornais passam a ser depar- tamentos de grandes conglomerados, deixamde ser umnegócio autônomo. O negócio individual de jornal desa- parece, e esse carro-chefe do entrete- nimento vai virando uma linguagem, dentrodaqual o jornalismonãoprecisa se virar. Assim, não existe imprensa isolada, e isso talvez seja umproblema, talvez seja uma solução. O jornalista é pago para fazer o que faz. Não é alguémque se dedica a isso nas horas vagas. Isso faz toda dife- rença. A ameaça hoje pesa sobre as grandes redações, mas é preciso exis- tir grandes redações. Elas conseguem emular a elaboração do poder, conse- guem fazer quase um shadow cabinet , porque discutem as mesmas coisas, ocupam-se do mesmo tema. Por isso, e não por outra razão, seus integran- tes estão preparados para encontrar o ministro de Estado e entrevistá- -lo de igual para igual. Sem redações grandes, nós não teremos imprensa. Por isso minha maior preocupação hoje é a sobrevivência do Estadão , da Folha , d’ O Globo . Sem essa escala e sem essa massa crítica não existe função jornalística. Tudo que hoje se descreve como democratização, horizontalização, direito de voz, a ideia de que “cada indivíduo pode ser uma estação de TV”, tudo isso é verdade, mas é algo que se deu numa concentração de capital e poder sem precedentes. Olhando por aí, a sociedade de hoje é muito menos democrática do que a sociedade do tempo dos jornais. Naquela época, com todos os defei- tos inaceitáveis, os agentes econô- micos existiam em maior número. Hoje a oligopolização e a monopo- lização chegaram a um ponto que era impensável tempos atrás. Goo- gle e Facebook são monopólios mun- diais. Todo mundo pode dar opinião, todo mundo pode ser um jornal, mas existe uma coisa por trás disso sobre a qual ninguémpode opinar. As novas gerações falam que nós precisamos ser programadores. Se você não for programador, não será livre. É uma maneira de olhar, mas acho que é uma maneira limitada, equivocada. O problema não é esse. O problema é que essas coisas são vias públicas e não poderiam ter sido privatizadas. Nessa perspectiva, nosso momento presente não é mais democrático.

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