RJESPM 15
64 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015 ideologização à esquerda. Perdeu-se a capacidadedeuniversalidadedos inte- lectuais, de promover o debate cultu- ral que realmente interessa. Acho um barato que essa conversa se dê aqui no InstitutoFernandoHenriqueCardoso, mas ao mesmo tempo é patético, por ser um tema que a universidade deve- ria abraçar e ter umpapel de liderança nesse processo – e não tem. Não creio que a imprensa seja es trutura de poder. Ela faz parte de uma configuração de poder, que em última espécie tem, digamos, a capaci- dade de impor o poder pela força. Ao mesmo tempo que acreditamos numa geração espontânea de poder, vinda da ordem social, temos que admitir que só pode haver ordem se houver algum tipo de coagulação de poder. Vejo duas principais funções no jornalismo. Uma é a capacidade per- manente de investigação do poder, do poder central, do poder econômico. A outra, fundamental, são as grandes reportagens, os grandes furos, aque- las reportagens que mudam a forma pela qual a sociedade vê determina- dos problemas. Diálogo com o público O jornalismo não pode ser pensado fora da relação com seus públicos. Há que se considerar certo perfil de leitores. E há que se conectar com a mudança que está acontecendo na classemédia. De um lado, uma “velha” classe média que se sofisticou enor- memente na busca de informações, fala outros idiomas e, portanto, lê jornais do mundo todo. E uma nova classe média emergente que é fruto de um sistema educacional precário, e que não vai ler como a “velha” classe média,mas que temuma relaçãomuito mais utilitária como jornal. Empaíses como o nosso, com essa mudança enorme das classes médias, mesmo que não houvesse esse impacto das novas tecnologias, já apareceria essa importante questão para o jornalismo. Há uma nova classemédia que é quan- titativamente importante como mer- cado, mas que, para ela, esse jorna- lismo que a Folha e o Estadão fazem é língua estrangeira – essa é a minha impressão. Vamos sair um pouco do preto ou branco e colocar umpouco de nuance. O mundo era organizado em ideo- logias bem definidas, e os jornais espelhavam isso. Daí passamos para um mundo inteiramente fragmen- tado, e as pessoas fragmentam sua visão de mundo. Tomemos o exem- plo de Estado e Folha , expressões de certa classe média paulista. O Esta- dão sempre teve uma posição clara, claríssima. A Folha sempre foi mais comercialmente oportunista, diga- mos, até um momento em que per- cebe que, no processo de democra- tização, abria-se um novo espaço na sociedade brasileira, que o Estadão não estava conseguindo ocupar. O que ela faz: abre as páginas para a divergência de opinião. O editorial da Folha nunca teve metade do peso dos editoriais do Estadão , mas eles abriram o espaço do debate público a partir dos anos 1980. Isso durou até os anos 1990, o que levou o Esta- dão a se reposicionar: a página 2 do Estado passa a ficar mais interessante em resposta à Folha . E hoje em dia, para não exagerar nem na idealiza- ção do passado, nem numa espécie de pessimismo com relação ao pre- sente, acho que cresce a demanda por informação qualificada, e há esse novo público em formação. Pela primeira vez, existe um pres- tígio social crescente dos mecanis- mos institucionais de controle sobre o poder, com exceção notória do Congresso. Então é aí, é na repre- sentação de política congressual que mora o principal problema. Trazendo isso para o campo da mídia – e, de novo, evitando sermos nostálgicos –, há transformações interessantes. Já ouvi, com certa melancolia dos “velhos tempos”, políticos dizendo que “você dava dois, três telefone- mas, falava com o Mesquita, o Frias, o Civita e com o Marinho e estava tudo dominado”. Hoje não dá mais para fazer isso, e é muito saudável. Por outro lado, há esse processo de fragilização das empresas jornalís- ticas, o que as torna mais vulnerá- veis ao poder de sedução do Estado. Então, existe esse duplo processo, por um lado o jogo é muito menos oli- gárquico, por outro lado ter empre- sas jornalísticas sólidas, comercial- mente sólidas, é a melhor vacina que elas têm contra a pressão do Estado – senão, quem vive “da mão para a boca” está a um passo de se ajoelhar. ■ ricardo gandour é diretor de conteúdo do Grupo Estado. cynthia rosenburg é gerente de comunicação do Instituto Arapyaú. bernardo sorj é professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do projeto Plataforma Democrática. carlos eduardo lins da silva , jornalista, é livre-docente em comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). eugênio bucci é jornalista e professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). sérgio fausto é cientista político e superintendente executivo do iFHC.
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