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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 73 público, e ia muito além do que qual- quer um hoje consideraria aceitável. É impossível não se perguntar o que os chefes de McGrory pensavam de sua posição delicada. Será possível que eles não soubessemde nada? Será que eles fizeram vista grossa, já que aquela colunista famosa era umamer- cadoria muito valiosa? Norris não diz – uma omissão importante em uma biografia que, a não ser por esse deta- lhe, é maravilhosa: íntima, cheia de casos e fofocas. Relação pessoal O tom íntimo do livro não é acidental. Norris se relacionou pessoal e pro- fissionalmente comMcGrory. Atual- mente umdos diretores executivos do Center for American Progress, uma entidade dedicada à pesquisa e pro- moção de políticas públicas, ele conta que conheceu a colunista quando tra- balhava na área de comunicação do Departamento de Estado durante os anos 1990. Ele inclusive chegou a ser- vir de fonte para ela algumas vezes. Ela também o aliciou – como fez com Bobby Kennedy e outros persona- gens de destaque – para que ele a aju- dasse em seu trabalho de caridade de longa data no orfanato de St. Ann, em Hyattsville, Maryland. Norris escreve sobreMcGrory com carinho genuíno e admiração. Ele vê a vida dela como uma grande realização, mas baseada em uma escolha trágica que ele explica da seguinte maneira: Em muitos jornais nos anos 1940 e 1950, esperava-se que as mulheres se demitissem ao casar. A escolha entre a primeira página e o lar doce lar era definitiva. Mary sentia que ela pode- ria ser uma repórter bem-sucedida ou ser feliz no casamento – mas não ambos –, mesmo quando os anos 1960 revolucionaram a ordem tradicional da sociedade americana, escancaran- do portas haviamuito trancadas para as mulheres e as minorias. O primeiro caso contado por Nor- ris ilustra a situação. Um dos editores do WashingtonEvening Star , Newbold “Newby” Noyes, um dia perguntou a McGrory: “E aí, Mary, você nunca vai se casar?”McGrory, que era a crítica de livros do jornal e já tinha escrito alguns perfis de políticos, disse que esperava se casar um dia, mas não tinha muita certeza. “Bom, é que se você não vai se casar...”, continuou Noyes, “a gente quer que você faça uma outra coisa.” Dessa conversa escandalosamente machista surgiu o novo rumo da vida de McGrory. Ela foi escalada para cobrir as audiências do Subcomitê de Investigações do Senado dos Esta- dos Unidos, em 1954, quando o sena- dor republicano JosephMcCarthy foi acusado de tráfico de influência pelo Exército dos Estados Unidos. Noyes queria uma cobertura com “humor, graça, cor e vida”. O resultado, conta Norris, foi que “de repente, uma voz nova e desafia- dora ganhou as páginas, cobrindo o caso mais quente de todos com um olhar claramente liberal”. McGrory se lembraria mais tarde: “Do nada as pessoas queriam me adotar, casar comigo, me envenenar, me chutar da cidade”. Sua inovação, diz Norris, foi “se concentrar no lado pessoal da polí- tica e no que faz os políticos tomarem suas decisões e agirem”. Talento e estilo As habilidades de McGrory incluíam a capacidade de ouvir, uma boa dose de charme e um estilo sarcástico de escrever que ela aperfeiçoou ao longo demuitos rascunhos (trabalhando em um jornal vespertino, ela podia varar asmadrugadas escrevendo). Ela tinha um olhar afiado para julgar um cará- ter, era uma repórter incansável e sua posição liberal permaneceu inabalada Mary McGrory: The First Queen of Journalism John Norris Viking, 340 páginas, 2015 ARQUIVO CJR

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