RJESPM 15

80 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO 2015 CREDENCIAL FRANKLIN MARTINS Pecado capital A imprensa só é independente quando é visceralmente dependente dos fatos e não distorce nemmanipula dados nos últimos tempos têm se repetido cenas de agressão a personalidades ligadas ao governo e aos movimentos sociais:insultosaex-ministros,panfleta- gemdurante velório de umantigo pre- sidentedoPT, perseguição adirigentes dos sem-terra emaeroportos, explosão de bomba na sede do Instituto Lula. Também se multiplicaram os atos de violência contra pessoas pobres: jovens da periferia enxotados de shop- pings em São Paulo, moradores de favelas impedidos à força por rapa- zes de classe média de se banharem nas praias do Rio, imigrantes haitia- nos assediados em seus locais de tra- balho, linchamentos de adolescentes negros suspeitos de pequenos furtos. Essas odiosasmanifestações de bar- bárie não brotaram do nada. Ao con- trário, surgiramna esteira da campa- nha aberta e sistemática dos princi- pais órgãos de comunicação contra o governo e da campanha velada – mas não menos permanente – contra a forte inclusão social dos últimos anos. Há cerca de um ano, dia sim e dia também, jornais, rádios e TV bombar- deiam a sociedade com manchetes, reportagens e vazamentos que bus- camcriar de forma sensacionalista um clima de fimdemundo no país. Oobje- tivo é deslegitimar o governo eleito em 2014, abrindo caminho para o afasta- mento da presidente. Como resultado desse vale-tudo golpista, multiplica- ram-se as violências contra os mais pobres e disseminaram-se o racismo, o preconceito contra os nordestinos, a xenofobia e a homofobia. Confiantes na impunidade, os agressores se dão ao desplante de postar fotos e vídeos de suas covardias nas redes sociais. No sul dos Estados Unidos, os integrantes da Ku Klux Klan ainda se escondiam atrás de máscaras. No Brasil, ao con- trário, escancaram-se sorridentes na internet. Nossa mídia oligopolizada, longe de condená-los e desmascará- -los, vê com naturalidade – simpatia, quase amor – os rolezinhos da trucu- lência ostentação. Trata-se de uma relação entre cria- dor ecriatura.ComodisseJosephPulit- zer, cujo nome batiza o mais impor- tanteprêmiode jornalismodosEstados Unidos: “Como tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e cor- rupta formará umpúblico tão vil como elamesma”.Nocasobrasileiro, poderia se dizer: “Como tempo, uma imprensa oligopolizada, facciosa, preconceituosa, raivosa e cínica formará um público tão vil como ela mesma”. E se tornará prisioneira desse público vil, que dela exigirá diariamente novas doses de fel e ódio. Pois, se é fácil entrar nomundo das drogas, é muito difícil sair dele. Qual arazãode tantoressentimentoe raiva?Oapegoàvelhatesedequeopovo não cabe noBrasil, pois ele sópode dar condições de vida dignas a umterçoda população. Ocorre que essa tesederro- tista e segregacionista foi desmontada pela experiência dos últimos anos, que deixou patente que o Brasil cresce e se fortalecequandobuscagarantir a todos os brasileiros, não importa o berço em que nasceram, oportunidades e apoio paraprogredir na vida e exercer a cida- dania.Mas issoé inaceitável paraospri- sioneiros do passado, que não aceitam osprogressosdopaíscontraoapartheid social e racial. O Brasil precisa de uma imprensa independente – independente do governoedaoposição, dos grandes gru- poseconômicosedospartidospolíticos, dos interesses do mercado financeiro e dos donos das corporações midiáti- cas. E a imprensa só é independente quando é visceralmente dependente dos fatos, quando não torce, distorce, manipula ou esconde fatos para atin- gir objetivos ocultos. Recentemente o papa Francisco apontou a desinforma- ção intencional como omais perigoso pecado da imprensa. “ Édizer as coisas pelametade, apenas aquilo que émais conveniente”, explicou. Que dependência dos fatos têm os meios de comunicação quando, em dobradinha com a oposição, susten- tam uma campanha para afastar do cargo a presidenteDilma Rousseff por atos de corrupção que, todos sabem, ela não cometeu? Ou quando se recu- sam a investigar seriamente as falca- truas de Eduardo Cunha, guindado à presidência da Câmara dos Deputa- dos pelos partidos de oposição e nela mantido graças à cúmplice omissão da imprensa, embora todos soubessemque ele é o que é?Não fossemas investiga- ções das autoridades suíças, os atos de corrupção cometidos por Cunha con- tinuariam desconhecidos do grande público. Aqui ele estava blindado. Triste imprensa que briga com os fatos e pretende, sem votos, coman- dar o país. Triste país que, sem uma imprensa plural, é intoxicado diaria- mente por aquela velha – e preconcei- tuosa – opinião formada sobre tudo. ■ franklin martins é jornalista, comentarista político e escritor. Foi ministro- chefe da Secretaria de Comunicação Social no segundo mandato do presidente Lula.

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