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revista de jornalismo ESPM | cJR 15 mudança de objeto de pesquisa, do debate público democrático para a qualidade do procedimento jurídico deliberativo como espaço de legiti- mação do direito, como veremos, o jornalismo e os meios de comunica- ção continuarama aparecer nos diag- nósticos e nas propostas teóricas da trajetória intelectual de Habermas. “Desavenças de juventude” Épossível comparararelaçãodeHaber- mas e o jornalismo com a de velhos amigos de infância que perderam contato depois de algumas desaven- ças de juventude, mas que décadas depois se reencontram mais madu- ros, já que nunca deixaram de com- partilhar osmesmos valores e interes- ses. Ainda que tenha deixado de tratar mais detidamente de temas do jorna- lismo e da imprensa desde a publica- ção de Mudança Estrutural da Esfera Pública em 1962, a teoria social e da razão e também do direito de Haber- mas continuaram a depender de uma imprensa livre, isto é,mobilizada inter- namente pelas regras do jornalismo, e os direitos de comunicação e partici- paçãogarantidos constitucionalmente. As razões por trás dessas “desa- venças de juventude” entre o pensa- mento deHabermas e o jornalismo e a imprensa são mais de ordem socioló- gica do que filosófica. Habermas reco- nhece no prefácio da edição em inglês de Mudança Estrutural de 1992 que seu diagnóstico da esfera pública, ora romanticamente otimista em termos da origeme fundamentos nos séculos 18 e 19, ora excessivamente pessimista quanto à sua subversão no século 20, havia sido influenciado pelo estudo Student und Politik , realizado no Insti- tuto de Pesquisa Social de Frankfurt e publicado em 1961 ( Student und Poli- tik . Eine soziologische Untersuchung zum politischen Bewusstsein Frank- furter Studenten . Institut für Sozial- forschung, Frankfurt amMain, 1961), no qual identificara uma apatia e uma baixa consciência política nos estu- dantes de Frankfurt no início dos anos 60. Outra abordagem que teria orientado sua visão foi aquela da crí- tica da indústria cultural e da “misti- ficação das massas”, derivada da tota- lização do princípio da razão instru- mental, ou da autopreservação indi- vidual sobre a “sociedade adminis- trada” do capitalismo tardio, feita por Adorno e Horkheimer em Dia- lética do Esclarecimento. Fragmentos Filosóficos , de 1944 (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985). Ao mesmo tempo que denunciara o descolamento dos ideais da esfera públicadiantedaprodução industriali- zada da opinião pública, tornada esta- tística e espetáculo e gerando iden- tificação psicológica nas audiências, Habermas deixou de trabalhar esse campo para nos anos 1970 se dedi- car ao empreendimento filosófico e sociológico que resultaria nos dois volumes da Teoria da Ação Comuni- cativa , em 1982. Para onde foi o jornalismo? Ao aprofundar as questões teóricas e normativasque teriaencontradonaori- gem e fundamentos da esfera pública, Habermas substitui em Teoria daAção Comunicativa os objetos empíricos da imprensa, do jornalismo e das demais instituiçõesqueatuamnaesferapública paraencontrarnas característicasprag- máticasda linguagemedacomunicação cotidianaeespecializadaaquele tipode racionalidade identificado na origem da esfera pública burguesa: ao lado da, emais abrangente que, a razão e a ação instrumentaisdenunciadasporAdorno e Horkheimer e outras críticas clássi- cas damodernidade, como as deMarx e Weber, haveria uma razão comuni- cativa que resiste, ainda que soterrada pela industrializaçãoda cultura e a ins- trumentalização das relações sociais. A razão comunicativa é aquela que motiva a ação orientada pelo entendi- mento entre sujeitos que se reconhe- cem como falantes competentes em diversas esferas da vida. Ou seja, das conversações mais rudimentares às comunicaçõesmais especializadas da política, da moral, e mesmo da crítica de arte, da ciência e da economia, as pessoas assumemconstantes de “com- promissos discursivos de ação social” determinadospor regras culturalmente construídas. Estaria então na lingua- gem humana, e não mais nos espa- ços de comunicação promovidos pela imprensa, o lugar de identificação da razão comunicativa, capaz de dar igni- ção à ação comunicativa. Somente ela produziria a solidariedade social capaz de garantir a formaçãode personalida- des, da cultura e da própria sociedade na era contemporânea. É assim que a imprensa, o jornalismo e os meios de comunicação tomariam posição peri- férica nos estudos deHabermas a par- tir dos anos 1980, e a esfera pública dá lugar à teoria da ação comunicativa como ao mesmo tempo uma teoria da razão e do discurso, uma teoria social, uma teoria da modernidade. Ainda assim, a partilha dos valo- res e interesses de Habermas com os ideais da imprensa livre não a faz desaparecer por completo em Teoria

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