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revista de jornalismo ESPM | cJR 17 membros conscientes e capazes de fazer sentido de seu ambiente polí- tico e participar de espaços midiáti- cos de discussão pública. Meios e mercados No texto “Meios eMercados e Consu- midores”, publicado no Süddeutsche Zeitung em 2007, Habermas define a imprensa de qualidade como aquela orientada pelo interesse público, como condutora da esfera pública. Se quality papers são a “medula óssea” da esfera pública, deduzimos que os meios ele- trônicos são sua espinha dorsal. Do mesmo modo, no texto Politi- cal Communication in Media Society ( Communication Theory 16(4):411- 426, outubro de 2006), uma esfera pública independente é vista como pressuposto do Estado democrático de direito: um dos fundamentos da democracia e da solidariedade cidadã, ao lado dos direitos humanos e da soberania popular. Isso implicaria aos jornais contribuir para a circu- lação da comunicação entre centro e periferia da esfera pública, numa função de “lavagem” do “barro” dos conjuntos de opiniões públicas caó- ticas e informais, organizando-as de modo a permitir o julgamento infor- mado pelos espaços mais generali- zados e formais, como em votações populares e no Parlamento. Mas diante da crise econômica da imprensa de qualidade, impactada especialmente pelos efeitos de frag- mentação e personalização dos fluxos de comunicação na internet, o “caos da esfera pública” estaria instaurado (“OCaos da Esfera Pública”. Caderno Mais! Folha de S.Paulo , 13/08/2006). Os intelectuais que antes se moviam como peixes na esfera pública subita- mente seriamafogados como excesso de possibilidades de informação e comunicação, e a necessidade de se autorrepresentarem visualmente a fim de obter legitimidade para seus discursos. NessemomentoHabermas faz uma proposta ousada, e que pode soar con- traintuitiva aos incautos: se o Estado provê energia elétrica, dado que é uma necessidade básica de sobrevi- vência na sociedade, por que ele não deveria garantir também a energia comunicativa que é gerada com um meio ambiente informacional inde- pendente de anunciantes ou flutua- ções do mercado? Enfim, é possível ter apoio público e manter a inde- pendência? Os modelos de comuni- cação pública e de fundos autossufi- cientes estão aí para provar que sim, como o caso da BBC e do Scott Trust, do GuardianGroup, ainda que sofram pressões com o avanço tecnológico e a descentralização das fontes de pro- dução e circulação de informação. No caso, além de discutir a fonte de renda em taxa obrigatória ou assina- tura facultativa como base de recursos, a constituição do corpo dirigente do meio teria de ser formado por repre- sentações equitativas e respeitadas da área, comproteções contra a inge- rência política ou de outra ordem em suas gestões. Interdependência com o direito Além das dependências estruturais da imprensa, se entendemos que a comunicação política atual contri- bui de alguma forma para o cinismo em relação à política e a desconfiança nas instituições, numa última cartada comdesdobramentos metodológicos, Habermas diz que não devemos pro- curar no estado passivo da sociedade as causas para essa alienaçãopolítica, e simnos conteúdos de uma comunica- ção dominada por imperativos exter- nos, como na colonização da esfera pública por imperativos do mercado. Nessemomento, a crítica à concen- tração econômica e política estrutural dosmeios de comunicação passa a ser acompanhada de uma crítica à redefi- nição de categorias políticas por cate- gorias de mercado que se faz visível nos conteúdos dos discursos jorna- lísticos e outros, que levam à invasão do discurso político por elementos do entretenimento, como a personaliza- ção, a dramatização e a supersimplifi- caçãode questões complexas. Apolari- zação de conflitos políticos promove o que Habermas chama de “privatismo cívico” eumambientede “antipolítica”. Antes de ver esses fenômenos como degradações necessárias da esfera pública, Habermas abre uma porta para análises dos discursos sobre os direitos de comunicação, em grande parte os direitos e deveres ligados à imprensa, como forma de identifica- ção de tendências de legitimação da democracia. Ao final, a relação do jornalismo comopensamentodeHabermas é aná- loga à relação entre esfera pública e o direito. Enquanto o jornalismo como instituição social não pode semisturar comoEstado, e dele precisa de distân- cia e independência para exercer sua crítica, o direito não pode dispensar o jornalismo como instituição capaz de tornar mais transparente o exer- cício do poder. Ao mesmo tempo, o jornalismo independente depende de garantias constitucionais para existir e se manter. Um não pode dispensar o outro, sobretudo os direitos e deve- res envolvidos nos códigos e práticas do jornalismo e da imprensa livre. Como é a manutenção daquela ami- zade antiga comque, embora distante e às vezes comdesavenças, você sabe que sempre pode contar. ■ vitor blotta é professor de legislação e deontologia do jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). É vice-coordenador do grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade (ECA-USP/IEA-USP).

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