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20 abril | maio | junho 2016 Caça à bruxa O papel dos veículos de informação na montagem da ópera bufa que promoveu o afastamento da presidente Dilma Rousseff por ivan marsiglia no domingo , 1º de maio, um ensola- radoemelancólicoDiadoTrabalhador, oTheatroMunicipal de SãoPaulo exi- bia sua novamontagemde La Bohème , a ópera proletária deGiacomoPuccini. No intervalo após o segundo ato, duas elegantes senhoras aproximaram-seda janela do balcão nobre, de onde eco- ava o somdamultidão reunida noVale doAnhangabaú. “ÉaCUT”, disse uma delas, ajeitando a echarpe. “Não faço questão nenhuma de ver.” Grande parte das reportagens e textos de opinião na imprensa come- çam como este: com uma cena, vista e relatada por um jornalista, que con- densa o sentido do que será dito a seguir. É uma fórmula consagrada pelos adeptos do new journalism ame- ricano, que nadamais é que a radicali- zação do bom e velho jornalismo que ousa dizer seu nome e autoria, sem se esconder por trás da “objetividade”. Nada mais caro aos jornalistas do que: 1. A ideia de que exercem seu ofício com autonomia e liberdade; e 2. A crença de que produzem seus relatos com isenção e imparcialidade. Em meus mais de 20 anos de pro- fissão, sempre me pareceu curioso que, em eventos públicos ou pales- tras a estudantes, repórteres e edito- res da grande imprensa invariavel- mente aludissem ao fato de “jamais teremsido censurados” e de trabalha- rem “com total liberdade” nas reda- ções. Ao passo que, intramuros, nos corredores e cafezinhos desses mes- mos veículos, o que eu ouvia era o oposto: uma fila de queixas contra as restrições impostas no dia a dia pelas chefias. Aparecer é fundamental É claro que faz bempara a carreira de qualquer umelogiar a empresa emque se trabalha. Mas, de boa-fé, acredito que essa contradição se deva sobre- tudo a uma espécie de autoengano – um mecanismo psicológico que per- mite aos jornalistas manterem certo grau de autoestima que lhes faça con- tinuar sacrificando a vida pessoal em nome de frustrantes, longas e mal pagas jornadas de trabalho. No início dos anos 1990, em uma polêmica com a filósofa Marilena Chauí, que criticara o mito da obje- tividade na imprensa – resultado, segundo ela, de uma concepção posi- tivista de ciência, que oculta o fato de que todo o conhecimento é repre- sentação e, como tal, intermediado pelo subjetivo –, Paulo Francis dis- parou, com sua franqueza habitual, na coluna Diário da Corte: “SeMari- lena quer aprender sobre malan- dragem em imprensa deve se con- centrar em dois tópicos, omissão e manipulação de ênfases. Mas duvido que isso sequer conste do currículo das nossas escolas de jornalismo” ( O Estado de S. Paulo , 25/07/1993). Uaaau... Batata, Francis. A “malan- dragem” não está na fricção entre repórteres e editores pela “emboca- dura da pauta” ou na censura direta, de cima para baixo. Ela ocorre mais sutilmente, no destaque dado pela chefia ao conteúdo publicado e nos efeitos que isso traz ao ânimo interno dos jornalistas. A manipulação se dá no momento em que a chefia decide quantas linhas ou tempo de TV o repórter terá para a suamatéria, se ela estará entre as manchetes de capa ou na escalada do telejornal, se ganhará ou não suítes sucessivas nas edições seguintes. Omissão e ênfases, pois. Dentro de uma redação, aparecer é fundamental. Um verdadeiro capi- Impeachment e imprensa

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