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22 abril | maio | junho 2016 voz relevante do mundo empresa- rial ter afirmado categoricamente que não: a de Ricardo Semler, no artigo “Nunca se roubou tão pouco” ( Folha de S.Paulo , 21/11/2014), que termi- nava com um inútil chamamento à razão: “Deixemos de cinismo. O antí- doto contra esse veneno sistêmico é homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do país, e não de um partido”. Parafraseando Semler, o antídoto aplicado ao veneno sistêmico da cor- rupção brasileira dia 12 de maio de 2016, quando o Senado Federal apeou doPalácio doPlanalto uma presidente eleita por 54.501.118 votos, estevemais para quimioterapia extrema. Daque- las que podem matar o paciente – a nossa joveme frágil democracia – sem eliminar a doença. Ninguém criticaria uma imprensa implacável na fiscalização do poder, que insistisse em alopatias violentas contra todas as mazelas brasileiras. O problema é que tal posologia é clara- mente seletiva. Em 1999, emmeio ao escândalo das privatizações, o presi- dente Fernando Henrique Cardoso aprovou a emenda constitucional da reeleição em benefício próprio, na vigência domandato – uma manobra “bolivariana” em si, com o agravante da compra de votos parlamentares, objeto de uma denúncia do repórter FernandoRodrigues na Folha (“Depu- tado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”, 13/05/1997) que nunca foi devidamente investigada. Reeleito, quando as primeiras vozes ensaiaram um “Fora-FHC” a reação geral da imprensa foi de ponderação. O tom– ou a ênfase, diria Paulo Fran- cis – era outro: “Não se brinca com a democracia tão duramente conquis- tada”, “apesar de tudo, voto dado é soberano” etc. Também foi relevada a acusação de “estelionato eleitoral” por aquele governo ter segurado a cotação do real para desvalorizá-lo somente após a abertura das urnas, enquanto Dilma foi duramente criti- cada em2014 por supostamente ocul- tar do eleitor a gravidade da situação econômica. Para quem viveu esses dois perío- dos dentro de uma redação da grande imprensa, não há autoengano que escamoteie a diferença. O tratamento foi claramente desigual. Na cobertura dos mandatos tucanos, manchetes pontuais com suítes esparsas e sem a personalização da crise na figura do presidente Fernando Henrique (na edição da Veja do dia 21/05/1997, semana emque se revelou o escândalo da compra de votos, quemaparecia na capa era o ministro Sérgio Motta). O clima preponderante no noticiário era de torcida pelos esforços do governo na recuperação da economia, àquela altura tendo que recorrer ao FMI. Massacre sem precedentes Emrelação ao escândalo petista, o que se viu foi ummassacre midiático sem precedentes, com manchetes diárias, capas de revista sucessivas e tempo frequentemente estendidonos telejor- nais. A “caça à bruxa” ficou evidente na personalizaçãoda crise, desde o iní- cio, na figura de Dilma: antes mesmo das eleições, quando as apurações da Lava Jato nem sequer haviam avan- çado, a imagemdapresidente foi estam- pada como “sabedora” da roubalheira geral. E, quando enfim se percebeu que o escândalo não bateria às portas do gabinete presidencial, abraçou-se sem mais problematizações a tese de crime de responsabilidade por conta das “pedaladas fiscais”. A articulação da crise do país com a conjuntura internacional também foi minimizada, em nome de subli- nhar a “gestão desastrosa” e a “exces- siva intervenção governamental” de Dilma na economia. Foi preciso que um intelectual e um veículo estran- geiros, o historiador britânico Perry Anderson na London Review of Books (“A crise no Brasil”, 21/04/2016), entrassem em cena para que hou- vesse ampla difusão de dados essen- ciais ao entendimento da crise. Por exemplo, que desde 2011 o preço das três principais mercadorias que o Brasil comercializa despencou no mundo, pressionando brutalmente as contas brasileiras e, em particu- lar, da Petrobras: a tonelada de miné- rio de ferro foi de 180 dólares para 55 dólares, a saca de soja caiu de 40 dólares para 18 dólares e o barril de petróleo cru, de 140 dólares para 50 dólares. Não é por falta de leitura que um brasileiro médio imagina hoje que a recessão bateu à porta só porque o governo gastou demais Vaidade e ambição condicionam o livre-arbítrio do repórter, que sabe o tipo de matéria que lhe dará mais projeção profissional

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