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revista de jornalismo ESPM | cJR 23 e que a principal companhia brasi- leira quebrou por causa da corrup- ção que lhe saqueou os cofres. Esse brasileiro não terá lido nada dife- rente disso na maior parte das aná- lises publicadas nos jornais. Anderson também critica os vaza- mentos ilegais e seletivos de infor- mação por parte dos investigadores da Lava Jato para a imprensa – trata- dos aqui como pecadilhos perdoáveis diante da nobre tarefa do combate à corrupção. Em um artigo de 2004, o juiz Sérgio Moro já confessava sua admiração pelos métodos midiáticos da Operação Mãos Limpas, na Itália: “Os responsáveis pela Mani Pulite fizeram largo uso da imprensa (...) os vazamentos serviram a umpropó- sito útil. O constante fluxo de revela- ções manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva”. É de se perguntar o quanto uma tática dessas, em um ambiente de cobertura desequilibrada como o nosso, não afetou o discernimento de juízes e procuradores em busca de holofotes para suas investigações – resultando nas mesmas omissões e ênfases que vemos nas redações e, muito pior, em injustiça. Relação desigual Com tudo isso, não houve nenhuma prevenção em relação aos vazamentos deMoro e equipe. E, emdois episódios ao menos, o juiz claramente extrapo- lou: na condução coercitiva do ex-pre- sidente Lula e na divulgação ilegal de grampos da presidente da República nemsequer feitoscomautorização judi- cial (no último, concedeu “escusas” ao SupremoTribunalFederaleissofoicon- siderado suficiente). Comparação inte- ressante pode ser feita como desfecho de outra operação da Polícia Federal (PF), a Satiagraha, desencadeada em 2004 e envolvendo, não por acaso, um banqueiro ligadoàs privatizações tuca- nas. Naquela ocasião, ousode grampos não autorizados foi obastanteparaque a imprensa falasseem“Estadopolicial” e “atentadoaoEstadodeDireito”. Pres- sãoque deu resultado: o juizFaustoDe Sanctis teve sua sentença anulada, o diretor da PF, Paulo Lacerda, foi exo- nerado e o delegado encarregado do caso, Protógenes Queiroz, foi conde- nado pela Justiça. Seria simplista dizer que a imprensa é culpada pela queda de Dilma Rous- seff, mas ela trabalhou fortemente para criar o clima necessário às forças políticas que desejavam o seu impe- dimento. Nunca é demais reafirmar a importância de um jornalismo inves- tigativo forte e de credibilidade em um país como o Brasil. A cobertura do impeachment, no entanto, não reforçou esses valores. A exaltação das manifestações verde-amarelas contra a corrupção, transmitidas ao vivo, em contraste com os burocrá- ticos registros dos atos pró-governo, durante os quais se ressaltava sempre a “presença demilitantes pagos”, con- tribuempara umprocesso que apenas desmoraliza a própria imprensa. Em especial, a dramatização dos grampos telefônicos de Lula e Dilma feita por WilliamBonner eRenataVasconcellos no Jornal Nacional de 16 de março de 2016 constitui para a historiogra- fia do jornalismo brasileiro material equivalente à famigerada edição do debate entre Collor e Lula nas elei- ções de 1989. Tamanho desequilíbrio logo se fez notar na cobertura mais distanciada da imprensa internacional. Críticas ao processo que retiraria do poder uma presidente honesta para entregá-lo ao vice, Michel Temer, “impopular e traidor”, nas palavras do New York Times , alémde citadoquatro vezes nas delações da Lava Jato, começarama se fazer ouvir. No dia 20 de abril, a ONG Repórteres SemFronteiras rebaixou o Brasil cinco posições em seu ranking mundial de liberdade de expressão – para o 104º lugar em um conjunto de 180 países –, citando entre os moti- vos o fato de que, “de maneira pouco velada, os principaismeios de comuni- cação incitaramo público a ajudar na derrubada da presidenteDilma”. Mas foi o jornalista americano GlennGre- enwald, cujo trabalho rendeu ao jor- nal The Guardian umprêmio Pulitzer, quem de maneira mais contundente expressou essa percepção, em entre- vista ao programa Democracy Now : “Eu não poderia enfatizar suficien- temente o papel central da mídia oli- gárquica brasileira em insuflar e infla- mar tudo isso, em não permitir que a pluralidade de opiniões fosse ouvida, numdesfile incessante de propaganda pró-oposição”. Consumado o afastamento de Dilma Rousseff, um editorial do NYT (“Piorando a crise política brasileira”, 16/05/2016) concluiu que a presi- dente paga um preço “despropor- cionalmente alto por irregularida- des administrativas, enquanto vários de seus detratores mais ardentes são acusados de crimes bemmais graves”. Uma realidade que a imprensa brasi- leira fez questão de não ver. Como as duas senhoras incomodadas como 1º de maio no intervalo de La Bohème no Theatro Municipal. Em seu exí- lio do poder, Dilma declarou recen- temente que pretende andar de bici- cleta e ir a óperas. Quem sabe as três não se encontrampara uma conversa civilizada? ■ ivan marsiglia é autor de A Poeira dos Outros – Um Repórter na Casa da Morte e Mais 19 Histórias (Arquipélago Editorial, 2013). Foi editor assistente do caderno Aliás, do Estadão , redator-chefe da revista Trip e editor da Playboy . De 2004 a 2008, foi assessor da Secretaria de Imprensa e da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

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