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revista de jornalismo ESPM | cJR 27 gou o poder a um grupo político que era o beneficiário central no assalto ao Estado. Na mídia fala-se de tudo, menos de que ela mesma beneficiou esse grupo, o qual assumidamente participou de um complô visando “estancar a sangria” de investigações da Lava Jato na Justiça. Por meio de umgolpe parlamentar, coroando uma campanha de massacre, a mídia afas- tou uma presidente que, até prova em contrário, permitia investigações contra a corrupção. Fala-se da par- ticipação do Executivo na corrup- ção, submete-se o Legislativo, cri- tica-se o Judiciário, desentranham- -se as empresas corruptoras, mas a mídia é intocável. O assunto proibido só surge assim, como que por descuido, em trechos finais de entrevistas, de maneira esquiva, cheio de escusas, em alusão fortuita, não introduzido pela repór- ter. O tema da mídia é uma espécie de resto. É o que fica de fora das conver- sas, sussurrado, mesmo quando todas as entranhas (até algumas que não existem) estão expostas. Enquanto o país é passado a limpo, como se diz, fica algo sob a terra, aquilo que só invade a conversa como resultado de um lapso, de ato falho, na emergência de uma verdade recalcada no incons- ciente nacional. Oassuntomais impor- tante é o mais evitado. Fim do discurso único Enquanto ninguém fala, o tema grita: a necessidade da regulação econô- mica da mídia. Econômica não, pois o que mais interessa ao país não é uma idílica repartição produtiva da mídia. Não interessa uma mera multiplici- dade de proprietários, com limites à propriedade cruzada e à oligopoliza- ção do setor. Interessa que haja plura- lidade político-ideológicamais repre- sentativa das correntes de opinião e dos valores éticos em disputa no país. Interessa acabar comodiscursoúnico, a manada. Umverdadeiro pluralismo informa- tivo é a quimera vital para a democra- cia, ainda mais depois da inundação manipulatória e seletiva que levou a este golpe midiático-parlamentar. Só assim o país poderá enfrentar suas mazelas sem dar vazão aos instintos autoritários que levam nosso jorna- lismo a protagonizar a quinta ten- tativa de golpe em seis décadas (54, 55, 61, 64 e 2016). Sobre isso não há como subestimar o papel dos envolvi- dos: editores, repórteres ou empresá- rios colaborando para projetar o jor- nalismo pátrio como um dos menos imparciais, talvez o pior do mundo “livre”. ■ mario vitor santos foi diretor da sucursal de Brasília, secretário de redação e ombudsman da Folha de S.Paulo e do Portal iG. É mestre em drama antigo e sociedade pela University of Exeter (Inglaterra) e doutor em letras clássicas pela Universidade de São Paulo. Knight Fellow da Stanford University. rico lins

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