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30 abril | maio | junho 2016 Chafurdei no lixo do presidente Repórter descreve o dilema ético enfrentado para obter dados que expuseram a fragilidade do esquema de segurança de Fernando Collor em 1992 por edna dantas numa noite quente demarço deste conturbado 2016 brasileiro, rememo- rei comalunos do curso de jornalismo da Escola deComunicações eArtes da Universidadede SãoPaulo (ECA-USP) uma experiência profissional que tive em fevereiro de 1992 – também um momento político de grande ebulição no país e que resultaria no impeach- ment do presidente da República dali a oito meses e 19 dias. No dia 13 de fevereiro daquele ano, assinei umamatériana FolhadeS.Paulo que me daria certa projeção profis- sional na época, mas renderia um dilema ético até hoje mal resolvido paramim. E foi o dilema ético que ser- viu de ponto de partida para o relato que fiz para os alunos da disciplina de... ética da ECA. Em média, meus ouvintes eram jovens entre 18 e 20 anos, no segundo ano do curso de jornalismo e loucos por histórias de quempassou parte da vida atuando como repórter. Amaio- ria não tinha nem nascido em 1992 e só ouviu falar de Fernando Collor de Mello na escola ou em conversas ani- madas sobre política em família, nas quais tios e primos mais velhos fala- vam dos caras-pintadas e do dia no qual os brasileiros foram para a rua de preto, contrariando uma convo- cação do então presidente para que todos usassem verde e amarelo. O relato dessas experiências na re- portagem faz os olhos de quem quer ser jornalista ganhar aquele brilho intenso e o coração de quem viveu os fatos suspirar de saudade. Eu vivo suspirando, não nego. Primeira página Publicada na página 5 do cadernoBra- sil da Folha , como se chamava antes o atual caderno Poder, a matéria rece- beu o título “Lixo da casa da Dinda mostra a segurança frágil de Collor” e o subtítulo “Documentos reservados e bilhetes pessoais são achados entre restos de comida”. Parameu prestígio, teve chamada e assinatura na primeira página do jornal. Eu estava com 27 anos e me senti, admito, como se tivesse levado para casa o Prêmio Pulitzer na categoria Melhor Reportagem. Não era para tanto, reconheço. A matéria deu um bafafá danado e gerou reações de diferentes lados. No dia seguinte, 14 de fevereiro, a Folha publicou a segunda parte da minha reportagem. Naquele mesmo dia, na mesma Folha , na página 3, saiu um artigo do presidente Fernando Collor de Mello. Para mim, foi uma grande sorte ( jornalista também precisa de um pouco de sorte). Eu já tinha lido aquele artigo. Ele estava aos pedaços no lixo da Casa da Dinda, com post-it colado em um dos fragmentos indi- cando que se tratava da 14ª versão de umtexto escrito pela assessoria diplo- mática do presidente. Claro que aproveitei a sorte na minha matéria daquele dia. “Artigo de Collor estava no lixo da Dinda”, dizia o título. O subtítulo não dei- xava dúvidas: “A Folha conhece o texto que publica hoje desde a última Impeachment e imprensa

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