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revista de jornalismo ESPM | cJR 33 delas. Como saber se o presidente da República era soropositivo? O pessoal que cobria o Palácio do Planalto já tinha tentado verificar a boataria com suas fontes. O povo do Congresso também tentou confir- mar a história com parlamentares da pequena base aliada de Collor, aque- les que eram da chamada “República de Alagoas”. Os caminhos do jorna- lismo ortodoxo tinham sido percor- ridos e nada. O jeito foi apelar para algo mais heterodoxo. Alguém lembrou do lixo. Não sería- mos os primeiros a vasculhar o lixo de autoridades. Em tempos idos, outros veículos brasileiros e tambémdeoutros países tinham feitomatérias combase no lixo, com enfoques diferentes: o que havia no lixo de celebridades, o que revelava o lixo das autoridades, o retrato do consumo pelo lixo etc. A ideia, enfim, não era nada demuito original. O problema era outro: quem seria capaz de pôr a mão nos detritos descartados pelaCasa daDinda? Silên- cio. A tradição das redações emBrasí- lia não é exatamente revirar resto de comida e papel higiênico usado. Entre risadas e gozações dos colegas, eume ofereci para fazer o “trabalho sujo” e fui aceita para a missão. Na hora, não me ocorreu nenhum questionamento ético. Eu só queria saber o que deveria procurar na nova matéria-prima jornalística. Certa- mente, não encontraria o exame com o resultado positivo para HIV. Mas quem sabe eu não encontraria uma bula de AZT (o remédio mais eficaz na tentativa de controlar a Aids), um frasco vazio, uma embalagem com o nome domedicamento acenando para mim? Pronto: eu tinha um foco inicial. Não foi por acasoqueumadas retran- cas da matéria principal era sobre a “farmácia da Dinda”, na qual cons- tavam 11 remédios, mas nenhum deles relacionados à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a Aids. “Nenhum dos remédios sugere um grave problema de saúde,mesmoque o conteúdo tenha sido tomado por uma única pessoa”, escreveu em um boxe à parte o redator médico da Folha , Julio Abramczyk. Cautela quase científica As dificuldades da apuração não eram poucas. A única maneira de chegar ao lixo da Casa da Dinda era pelo cami- nhão que passava recolhendo os sacos da vizinhança. Como eu poderia me certificar de que aquele lote de restos e imundícies que eu levaria para a reda- çãopara examinar cuidadosamente era mesmoda casa dopresidente daRepú- blica, da casa do Collor, e não de uma das mansões vizinhas? Era preciso adotar uma cautela quase científica. Primeiro, fiz plan- tão em frente ao endereço do presi- dente durante dois dias seguidos. No carro mais velho da frota de veículos que atendiam à sucursal da Folha , um Ford Corcel II creme, chegava ao local por volta das 5 horas da manhã, comomotorista reclamando da pauta, e ficava até o caminhão que fazia a coleta entrar pelo portão da casa da Dinda, recolher o lixo e sair em dire- ção ao próximo endereço. No primeiro dia, apenas observei. Discretamente, segui o caminhão para saber exatamente o trajeto que ele faria. No segundo dia, após confir- mar o mesmo trajeto da véspera e reconhecer o caminhão, acenei para o motorista e pedi para ele parar. O local onde ele manobrava era uma rua sem saída. Foi fácil fazê-lo esta- cionar o veículo e conversar comigo. Nesse momento, eu menti. Disse ao motorista que era estudante da Uni- versidade de Brasília (UnB) e estava fazendo umtrabalho acadêmico sobre o lixo das autoridades. “O senhor pode me ajudar?”, perguntei. “Preciso pegar o lixo do presidente e ter certeza que é dele.” Fiz aquela cara de inocente e meio sem noção. O motorista não resistiu, nem fez perguntas. Combinamos que eu estaria naquele mesmo lugar no dia seguinte, uma quinta-feira, e que precisava que ele não acionasse omecanismo demistu- rar o lixo, para que eu pudesse pegar os sacos retirados da casa da Dinda intactos. Ele aceitou o meu pedido. No dia seguinte, saí de casa comuma roupa surrada, que eu pudesse jogar fora depois, comprei uma luva cirúr- gica, dessas que osmédicos usampara operar, e fui ao encontro do lixeiro. Foi um momento tenso. Meu maior receio era de que alguémda segurança da presidência aparecesse e eu não conseguisse pegar nada. Semcontar o risco de uma prisão ou algo parecido. Foi tudomuito rápido. Prendi a res- piração, subi no caminhão e retirei alguns sacos que estavam num canto do veículo, já separados pelo moto- rista, ameu pedido. No dia seguinte, o mesmo procedimento. Bastaramdois Nesse momento, eu menti. Disse ao motorista que era estudante da UnB e estava fazendo um trabalho sobre o lixo das autoridades

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