RJESPM_17.indb

70 abril | maio | junho 2016 lidar com essas questões nos últi- mos anos, mas poucos funcionaram tão bem quanto o do ICIJ. Um pro- jeto do Center for Public Integrity, a organização tornou-se uma refe- rência para vazamentos internacio- nais dessa escala. OCenter for Public Integrity, ou CPI, é uma ONG ame- ricana apartidária e sem fins lucra- tivos cuja missão é “denunciar abu- sos de poder, corrupção e desvios de conduta por entes públicos ou priva- dos, para fazê-los operar com hones- tidade, integridade e responsabili- dade, colocando o interesse público em primeiro lugar”. No ano passado, o ICIJ organizou a equipe que des- mascarou o esquema do HSBC na Suíça para ocultar dinheiro de sone- gadores, traficantes de armas e outros criminosos internacionais. A organização diz que os Panama Papers são “provavelmente o maior caso de vazamento de informação privilegiada na história” – mais de 11 milhões de arquivosmencionando 214 mil empresas emmais de 200 países. O próprio Edward Snowden concor- dou com a afirmação ao comentar o caso em sua conta no Twitter. O ICIJ agiu como uma espécie de PABX, con- forme compartilhava as informações com seus parceiros, como publicado pela revista Wired : Os programadores do ICIJ desenvol- veram um mecanismo de busca pro- tegido por dupla autenticação para os documentos vazados. AURL desse mecanismo foi enviada em um e-mail criptografado para vários veículos de notícias, incluindo a BBC, o Guardian e muitos outros, em vários idiomas. O site incluía até um chat em tempo real, para que os repórteres pudes- sem trocar informações e descobrir traduções de termos em línguas que eles não conhecessem. “Se você qui- sesse ler um documento brasileiro, você podia procurar um repórter bra- sileiro”, diz Gerard Ryle, diretor do ICIJ. “Você podia ver quem estava acordado trabalhando e falar à von- tade. Nós encorajamos todo mundo a contar para todo mundo o que esta- vam fazendo”. Algumas redações aca- bavam tendo suas próprias reuniões ao vivo, em Washington, Muni- que, Londres, Joanesburgo e até na pequena cidade norueguesa de Lil- lehammer, conta Ryle. Conexões internacionais Os jornalistas do ICIJ fizeram maté- rias abrangentes com toda aquela informação, não só emtexto. Osmeios decomunicaçãodomundotodoaumen- taramaindamais apressão, destacando as conexões internacionais dos pode- rosos daRússia, ReinoUnido, Ucrânia, Paquistão, Argentina, Brasil, e muitos outros lugares. Esse modelo de colaboração indis- tinta e publicação simultânea não é novidade no mundo das organiza- ções sem fins lucrativos. O Center for Investigative Reporting (CIR) é uma ONG apartidária e sem fins lucrativos fundada no fim da década de 1970 nos Estados Unidos, dedicada a reportagens investigativas sobre meio ambiente, segurança pública, direitos humanos e gestão da admi- nistração pública. Em2009 oCIR lan- çou o California Watch, um projeto que periodicamente inunda a Cali- fórnia com investigações em jornais, rádios, TVs e publicações digitais sobre temas relevantes para os cida- dãos do Estado. Mais recentemente, o CIR recebeu um financiamento para criar uma plataforma própria para suas investigações e também para o material de seus parceiros. Muitas outras organizações, como a ProPu- blica, normalmente compartilham seu material com seus parceiros com exclusividade. Emuma entrevista para a CJR no ano passado, Bill Buzenberg, ex-diretor do CPI, destacou o compromisso – e as dificuldades – de trazer omodelo ado- tado pelo ICIJ para os EstadosUnidos: Muitas reportagens não têm inte- resse apenas local ou regional. Elas são nacionais e internacionais. E se você puder criar uma coalizão, ou um consórcio, para encarar essas histó- rias usando os mesmos dados, você pode fazer um trabalho melhor, com um impacto bem maior. É possível fazer isso? Sim, acredito que é pos- sível. Dá muito trabalho? Sim, e tam- bém significa abrir mão de um con- trole mais centralizado. Não sei se os jornalistas americanos querem trabalhar dessa maneira. Somente algumas organizações americanas se juntaram ao ICIJ nos Panama Papers, incluindo o Miami Herald , McClatchy, conglomerado que controla 30 jornais diários em 15 estados dos Estados Unidos, e Uni- vision, rede de TV americana líder mundial de audiência em língua espa- nhola. Redações de alcance nacional, como o New York Times e o Washing- ton Post , fora da rede do ICIJ, come- çaram a acompanhar e cobrir os des- dobramentos do caso. Apesar da falta de envolvimento inicial dos meios de comunicação americanos, a onda de reportagens gerada pelo ICIJ atingiu o país gra- ças ao alcance dos meios digitais. O modeloda organização é uma resposta mais do que necessária para preen- cher uma lacuna no cenário interna- cional. Comos Panama Papers, o ICIJ também recebe os louros pela faça- nha logística de coordenar mais de 100 redações. Afinal, dirigir apenas uma já é tarefa das mais difíceis. ■ david uberti é membro da equipe da CJR e bolsista sênior do Delacorte Center. Seu Twitter é@DavidUberti. Texto originalmente publicado no site www.cjr.org em 5 de abril de 2016.

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx