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74 abril | maio | junho 2016 cobertura subsequente levaramao pri- meiro processo emBoston contra um padre pedófilo – o primeiro demuitos –, com Porter condenado a um perí- odo de 18 a 20 anos numa prisão de segurança máxima. Bergantino, hoje diretor executivo de uma ONG vinculada à BostonUni- versity, o New England Center for Investigative Reporting, refletiu há pouco sobre a postura dos veículos de comunicação à época, que resu- miu como “não veja omal, não ouça o mal” e, acima de tudo, “não divulgue o mal”. E mais: “A cobertura da Igreja, tanto nos meios impressos como na TV, era igual à cobertura de um time desportivo. Quando a Rose Kennedy morreu, trouxemos um padre para comentar a missa minuto a minuto. A cobertura da Igreja não era igual à cobertura do governo (...). E, como a Igreja não era transparente à época, era como cobrir o Kremlin”. Bergantino diz muito ao compa- rar a cobertura à de um “time”, pois remete à mentalidade de torcida da mídia “pelo time da casa” – mentali- dade muito comum na época. Tragi- camente, foi só anos mais tarde que a verdadeira dimensão do escândalo seria revelada. Mas e quanto a outros repórteres de TV que cobriam a Igreja Católica anos atrás? Quase todos, e o mesmo se pode dizer de jornalistas dos veí- culos impressos, eramcatólicos; mui- tos tinham frequentado escolas e uni- versidades católicas. A pergunta é se suas origens e filiação religiosa afeta- ram suas responsabilidades jornalís- ticas, sobretudo em relação ao escân- dalo de abuso sexual por sacerdotes. Em entrevistas com ex-repórteres de TV que cobriam a Igreja Católica na época, muitos expressaram revolta com os padres pedófilos. “Monstros” foi o termo usado por Clark Booth, que era “correspondente especial” do Channel 5. Cultura da condescendência Mas será que Booth – que estudou na tradicional faculdade jesuítaHolyCross – e outros repórteres de TV criados na tradição e na mística católica não tinhamcertaambivalência?Sua relação coma Igreja não era próxima demais? Ou, paradarumcontextomaior à coisa, ao cobrir a Igreja umrepórter usava os mesmos pesos e medidas aplicados à cobertura do governo, de empresas e de outras instituições? Dan Rea admitiu que cobria a Igreja com“umpoucomaisde respeito” eque fazia, basicamente, “matérias simpáti- cas”. O jornalista, que hoje apresenta um talk-shownoturno na rádioWBZ, o NightSide , disse: “Quando ficou evi- dente que certos sacerdotes eramper- vertidos, o cardeal Law devia ter ido lá e tirado a batina deles”. David Boeri é um veterano com 30 anos de redação. Trabalhou na WGBH-TV e na WCVB-TV antes de ir para a rádio WBUR-FM, a esta- ção da NPR em Boston onde hoje está. Boeri critica muito a cobertura de TV da cidade e chamou de turnês de divulgação pagas pela Igreja mui- tas das viagens que repórteres de TV locais faziam ao exterior com o car- deal. “Tinha tudo a ver com a audi- ência”, disse. “Quando o Chet [Cur- tis, âncora daWCVB] , que era de ori- gem polonesa, foi com o cardeal à Polônia, foi um trunfo para a emis- sora e virou até uma série especial. Uma visita aos campos de concen- tração assumiu ares de um ‘grande evento televisivo’. Não esqueçamos que o público é católico. Visitar o Dalai Lama não funcionaria”. Boeri completou: “Era meio esqui- sito ver certos repórteres beijando anel e fazendo genuflexão”. “Eram outros tempos, bemdiferen- tes”, disse Booth. “Havia um pouco mais de reverência pela Igreja. Nós (repórteres) éramos mais cerimonio- sos, mais eclesiásticos; era o grande evento – era amúsica, a cor, o incenso. Não falávamos de problemas.” Quando indagado se repórteres de TV que cobriam o escândalo foram lenientes demais com a Igreja, Booth Ninguém abria o bico, sacerdotes não tomavam providências e não havia nem sinal dos meios de comunicação, incluindo emissoras de TV locais

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