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revista de jornalismo ESPM | cJR 79 leão serva é jornalista, professor do curso de graduação em jornalismo da ESPM e escritor, autor de A Desintegração dos Jornais (Reflexão, 2015) e coautor do guia anual Como Viver em São Paulo Sem Carro. Há dois grandes personagens em A Clínica , de Vicente Vilarda- ga: Roger Abdelmassih e o jor- nalismo. Como no clássico ro- mance de Robert Louis Steven- son, o médico era também um monstro, alternava os dois ex- tremos de sua personalidade conforme o efeito dos sedati- vos usados para dopar as mu- lheres durante o tratamento de fertilização em sua clínica. Foi o jornalismo que o alçou à fama, como médico capaz de dar vida a milhares de “bebês de proveta”, entre outras técni- cas; foi no jornalismo também que ele confiou para acobertar as primeiras notícias de abuso sexual de pacientes; e foi o jor- nalismo que deu início e consu- mou a sua derrocada e a prisão. Em 350 páginas eletrizan- tes, Vilardaga conta a história que é pública, mas estava dis- persa nos arquivos de inúme- A Clínica : a farsa e os crimes do dr. Roger ros veículos, reconstruindo de- talhes com novas entrevistas e compondo uma narrativa cheia de bons elementos dramáticos. Hoje soa incrível repassar os detalhes da festa de 2007, com que Vilardaga abre seu li- vro, quando Abdelmassih reu- niu centenas de famosos com a desculpa de celebrar os 30 anos da primeira “bebê de proveta”, inglesa. O evento serviu de an- tídoto às primeiras notícias que circulavam sobre casos de assé- dio em sua clínica. Dois anos depois, a Folha no- ticiou a investigação sobre assé- dio sexual, em um mês dezenas de outras mulheres o denuncia- ram e logo surgiu a imagem do monstro por trás do médico. Mais dois anos e ele já estava condenado e fugiu para o Pa- raguai, onde foi preso em agos- to de 2014, graças ao trabalho de um repórter da TV Record. A proximidade às vezes faz aumentar nosso criticismo com a imprensa brasileira. A leitura de A Clínica amplifica a visão da sua vitalidade. ■ que ele teria escapado de lutar na Guerra do Vietnã usando a influência familiar para servir na Guarda Nacional, em terri- tório americano. Seria a desmo- ralização do comandante supre- mo das Forças Armadas. A contestação da reporta- gem mostrou problemas de apuração: baseou-se em fon- te pouco confiável e documen- to falso. A editora Mary Mapes foi demitida e Rather, afastado até o fim do ano. O filme mostra a CBS preocu- pada com a saúde empresarial e não com a credibilidade jorna- lística. Ele reaviva o intenso de- bate sobre a posição da impren- sa em relação aos políticos. ■ filme Free Speech Timothy Garton Ash Atlantic Books, 2016 491 páginas Dezmandamentos para a liberdade de expressão Verdade ou meia-verdade em Conspiração e Poder O título original de Conspi- ração e Poder , Truth (Verdade), de James Vanderbilt, acabou servindo de mote para ataque e defesa na polêmica sobre o fil- me (de 2015). Ele trata do epi- sódio que levou ao afastamen- to do âncora Dan Rather do pro- grama jornalístico 60 Minutes , em 2004. Entrevistado, Rather elo- giou: “Um filme chamado Ver- dade só pode ser preciso”. Já o diretor da emissora CBS, que o afastou, teria classificado como “meia-verdade”. Durante a campanha eleito- ral de 2004, em que o presiden- te George W. Bush concorria à reeleição, o 60 Minutes noticiou A Clínica Vicente Vilardaga Record, 2016 348 páginas O historiador britânico Ti- mothy Garton Ash lançou em ju- nho (Atlantic Books, Londres) um poderoso libelo em favor da liberdade de expressão na sociedade contemporânea sob impacto das redes digitais: Free Speech (Liberdade de Expres- são) tem como subtítulo “Dez Princípios para um Mundo Co- nectado”. É um complemento da atuação da plataforma digi- tal freespeechdebate.com , on- de o decálogo foi estabelecido. O livro expõe a tensão entre o aumento da comunicabilida- de e da informação e o aumento dos conflitos de interesse entre pessoas e grupos. É o caso para- digmático do governo america- no, que ataca bloqueios a sites de internet como sendo “mu- ros de Berlim digitais” enquan- to persegue os responsáveis pe- lo Wikileaks, que divulga docu- mentos sigilosos. Há contradi- ções desse tipo também entre direitos individuais e religiões. O princípio fundamental deve ser, ao final, a prioridade ao di- reito de expressão. ■ divulgação
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