RJESPM 16

20 JANEIRO | FEVEREIRO | MARÇO 2016 exemplificar esses prejuízos os gastos inúteis com a compra de livros publi- cados às pressas, sem que os pontos obscuros do texto oficial tivessemsido esclarecidos, o que só ocorreu durante o ano de 2009, depois da publicação do Vocabulário Ortográfico e de erratas, notas explicativas etc., procedimento que, repito, corrigiu ou tornou nulas partes do textooficial dodesacordo. Na prática, esse imenso vai e vem impôs aos professores e ao público em geral o conhecimento do texto oficial e das suas emendas. Nomeu depoimento, deixei clara a minha posição: era (e ainda é) preciso reformar a reforma, limpar o texto de suas incoerências e arbitrariedades, dar rumo inconteste a certos casos. Depois do meu depoimento e do de outros colegas na Comissão (que convidou para essa mesma audiên- cia outros professores, representan- tes da ABL etc. – ninguém compare- ceu), os problemas apontados sensi- bilizaram os senadores presentes, o que gerou empenho do Legislativo para que o Executivo (Casa Civil) se mobilizasse para adiar a defini- tiva entrada em vigor do desacordo, marcada para 1º de janeiro de 2013. De fato, em 27 de dezembro de 2012, a presidente Dilma Rousseff assi- nou o decreto 7.875, que estendeu a coexistência das duas grafias para 31/12/2015. Depois disso, em 2013, a Comis- são de Educação do Senado criou um Grupo de Trabalho Técnico (GTT) para coordenar o recebimento e a dis- cussão das propostas para melhorar e simplificar o texto do desacordo e colocá-lo em sintonia com os demais países da comunidade lusófona. Che- gamos (o professor Ernani Pimentel e eu) a ir a Portugal para, em audiên- cia pública e em nome da Comissão de Educação do Senado, tratar com parlamentares portugueses dos pro- blemas do texto do desacordo. Por falar em Portugal, é bom lem- brar que, embora o prazo de acomo- dação, emque valemas duas grafias (a “nova” e a “velha”), tenha terminado por lá em 12/05/2015, ainda são mui- tos os órgãos da imprensa que sim- plesmente ignoram o desacordo. Em Angola eMoçambique os jornais tam- bém o ignoram. Moral da história Por fim, lembro que entregamos um relatório final àComissãodeEducação do Senado, que o aprovou, mas...Mas o Poder Executivo certamente estava (e está) ocupado com outras coisas. Não deve ter sobrado um segundinho que fosse para a análise da questão. Moral da história: o desacordo entrou defini- tivamente emvigor no Brasil em 1º de janeiro deste ano. Resta a esperança de que umdia as aberrações do texto oficial sejamcorri- gidas ou eliminadas para que assimele se tornemais racional, viável e, sobre- tudo, ensinável. Delícia mesmo seria a ABL deixar de birras infantis e ver- se obrigada sabe Deus por qual força a limpar as partes fétidas e burras do texto oficial do desacordo. Por enquanto, o gosto é de coisa tipicamente brasileira, ou seja, mal- feita, improvisada, empurrada com a barriga, infantiloide, surreal. E, é claro, com os discursos e os procedi- mentos de sempre: está tudo umhor- ror, mas, na cabeça dos mandatários, é tudo uma maravilha; os “adversá- rios” é que não enxergam a perfei- ção de tudo. É isso. ■ pasquale cipro neto é professor de português desde 1975 e colaborador da Folha de S.Paulo desde 1989. Idealizou o programa Nossa Língua Portuguesa e é autor de obras didáticas e paradidáticas. Fica na boca um gosto de coisa tipicamente brasileira – malfeita, improvisada, infantiloide

RkJQdWJsaXNoZXIy NDQ1MTcx