RJESPM 16
28 JANEIRO | FEVEREIRO | MARÇO 2016 A Vice também foi criticada por, aparentemente, não avisar persona- gens retratados em documentários que sua participação seria usada em conteúdo bancado por empresas. Um exemplo irônico: um vídeo de 2012 sobre ativistas emChicago que tentam conter brigas de gangues foi patroci- nado por umvideogame cujomote era “Vingança resolve tudo”. Depois que o caso foi exposto por um repórter de Chicago, Jason Prechtel, o vídeo foi tirado do site. A Vice vive na tênue fronteira entre entretenimento e jornalismo. Durante boa parte de sua história, mexeu com o primeiro; agora, quer ser conhecida pelo segundo. Para o jornalismo hoje, o entretenimento é fundamental – sua função seria faci- litar o consumo da informação. Às vezes, o programa da HBO se asse- melha ao turismo da pobreza: um punhado de hipsters de cara cheia fazendo farra no terceiro mundo – a mesmíssima coisa que no passado enfureceu o finado, e calejado jorna- lista, David Carr, que desceu o sarrafo em Smith e companhia num docu- mentário de 2011, o Page One (quatro anos depois, a opinião de Carr sobre o tema mudou; depois da estreia de um aclamado documentário sobre o EI, o jornalista escreveu que “fatos recentes sugerem que a Vice está decidida a produzir ummaterial jor- nalístico sério que, verdade seja dita, até o público jovemassiste”). Mas um meio de entreter bem mais comum ali é fazer do correspondente o astro da narrativa – o que gera identifica- ção com a pessoa, mas também pode descambar para a autolouvação. Para um documentário em 2011, Shane Smith vai à Líbia, trava contato com rebeldes que à época enfrenta- vam as forças do ex-líder Muammar Gaddafi e chega à cidade portuária de Misrata, a quase 20 quilômetros do local dos confrontos. Na parte final do documentário, a criatividade na edição faz parecer que Smith está a bordo de um carro a caminho do que diz ser a linha de frente – embora, segundo uma fonte com conheci- mento direto da produção, Smith não tenha feito o trajeto. Segundo a fonte, o cinegrafista foi sozinho falar com os combatentes na linha de frente, ainda que na narração do vídeo Smith conte como “finalmente chegamos ao front” e “enquanto estávamos lá, [os rebeldes] foram avisados de que um grande ataque estava prestes a começar”. Diz a fonte: “No final, é a edição que manda, e a edição na Vice é sempre feita para entreter”. E continua: “Não há nenhummisté- rio aqui: [o Shane Smith] não é um jornalista, é um showman”. A Vice não respondeu a vários pedidos de esclarecimento. Sensacionalismo e audiência Emoutroepisódio, uma ex-funcionária da redação contou do trabalho numa reportagemsobreprofissionais do sexo numpaís emdesenvolvimento. Lá, foi despachada para um clube de strip tease. Queriam que fosse incógnita, vestida de prostituta – o que se recu- sou a fazer. “Eles queriam sensacio- nalizar e explorar as trabalhadoras do sexo, o que era inaceitável paramim”, afirmou. Emoutra gravação, disse, um produtor pediu que falassemais pala- vrão para a câmera. Esse incidente remete a uma queixa feita por gente que trabalha ou já tra- balhou na Vice: o lugar seguiria sendo um clube do bolinha. O kit de mídia de 2014 indicava que quase dois ter- ços do público era do sexomasculino. Na primeira temporada de documen- tários na HBO não há um único cor- respondente do sexo feminino; na ter- ceira temporada, a mais recente, três dos dez são mulheres. Funcionários atuais e gente que já saiu se disseramcontrariados porque a Vice prestigiou o fotógrafo Terry Richardson – um velho colabora- dor cujo trabalho mais recente para a empresa foi em 2013 –, sujeito acu- sado de investidas sexuais por diver- sas modelos. Umporta-voz disse que a organização rompeu relação com Richardson. Em 2014, o artista grafi- teiro David Choe, apresentador oca- sional na Vice, contou num podcast que obrigara uma massagista a fazer sexo oral nele, apesar dos repetidos protestos da moça. Mais tarde, Choe declarou que o episódio fora inven- tado e que não passava de “ficção ruim, numestilo feito para zoar”. Um representante da Vice disse: “Não tra- balhamos mais com ele”. Nancy Ashbrooke, diretora mun- O muro que separa o editorial do comercial, de onde vem boa parte da receita da Vice, pode ser poroso
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