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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 33 rial tenha a curadoria de um nome de confiança – ainda que não ponha fé nos veículos de massa. Um vídeo com ar de autêntico pega o espectador no plano visceral, impõe-se sobre o ruído da internet e tem bom trânsito em mídias sociais. O anunciante também deseja essa aura de autenticidade – e a publi- cidade sempre esteve no cerne da empresa. Pode tanto ser o anúncio emvídeo – o formato publicitário que mais cresce, segundo o centro de pes- quisas Pew, já respondendo por 27% de todo o gasto com “display ads” – como o patrocínio de um programa ou vertical inteiro. A fabricante de colchões Casper, por exemplo, patro- cina um podcast no Motherboard, o site de tecnologia da Vice, enquanto a fabricante de chips Intel patrocina a vertical The Creator’s Project, sobre o futuro da arte. Via de regra, a ViceNews evita pro- gramas patrocinados (a exceção aqui é The Business of Life , um programa de finanças pessoais do Bank of Ame- rica, e o On the Line , no qual a Skype paga à Vice para usar sua tecnologia). O On the Line , que é semanal e trans- mitido ao vivo no YouTube, permite ao público falar com repórteres por Skype sobre as últimas notícias – o que faz a Vice parecer franca e tur- bina a popularidade dos jornalistas. A únicamenção ao fato de que é patroci- nado, contudo, é a frase “Como apoio do Skype” nos episódios disponíveis. As chamadas para o programa, a des- crição no YouTube e a entrada ao vivo não fazem menção ao patrocínio do Skype, ainda que seu logo apareça no alto da tela, à esquerda, toda vez que alguémfazuma chamada comvídeo. A Vice não respondeu aos pedidos para comentar o assunto. No contexto atual do conteúdo pago, ligações constrangedoras entre comercial e editorial não são raras. O BuzzFeed ficou num aperto em abril de 2015 ao derrubar dois textos que criticavam uma campanha publici- tária do sabonete Dove, da Unile- ver – empresa que já pagou por con- teúdo no site. A diferença foi a rea- ção da empresa. Na esteira do escân- dalo do Dove, o editor do BuzzFeed, Ben Smith, circulou um comunicado interno, que depois jogou no Twit- ter. “Pisei na bola”, disse. E subiu de novo os textos. Depois, Smith e Jonah Peretti, um dos donos do BuzzFeed, deram uma entrevista de 8.000 pala- vras a J.K. Trotter, do Gawker. Atributos contraditórios Em comparação, quando procurei CharlesDavis, o ex-editor associadoda Vice – que durou pouco na empresa e lidou como polêmico texto do boicote à NFL –, ele disse até hoje não saber por que os textos foram derrubados. Já Jason Prechtel, da revista online Gaper’s Block , de Chicago, disse que a Vice nunca deu uma resposta cabal a seu questionamento sobre o docu- mentário da violência entre gangues patrocinado pelo Dishonored , um game violento cujo principal perso- nagem busca vingança. Na época, a empresa não respondeu publicamente à acusação feita pelo grupo que inter- vinha nas brigas, o Cure Violence: a saber, de que não fora avisado de que o documentário seria usado para pro- mover um videogame. “O recurso da Vice a um ‘funcionário da comunica- ção’ e a um assessor de imprensa, em vez de me deixar falar comos cineas- tas envolvidos no [site patrocinado da Vice] Eye For an Eye é exatamente a atitude que se esperaria de uma firma de relações públicas, não de um veí- culo jornalístico que acredita na trans- parência e na prestação de contas”, escreveu Prechtel num e-mail à CJR . Para a Vice, qualquer coisa que comprometa a autenticidade pode ser mais do que publicidade nega- tiva – pode ser um abalo à própria fundação de sua credibilidade como empresa. No momento, ela está com tudo: é uma empresa de bilhões de dólares que segue sendodescrita como “destemida” e “arrojada”. Essa é sua ironia – e sua tensão. Para manter a aura de genuína – diante de funcioná- rios, público, investidores e meios de comunicação —, precisa ser a um só tempo rebelde e confiável, ter a cre- dibilidade do NewYork Times e a pos- tura de umcompanheiro de noitadas. AVice precisa equilibrar esses atribu- tos, não raro contraditórios, àmedida que avança rumo a um futuro como legítima titã da mídia. ■ chris ip é bolsista do Delacorte Center na CJR . Seu Twitter é @chrisiptw. O desafio é ser a um só tempo rebelde e confiável, ter a credibilidade do NYT e a postura de um companheiro de noitadas Uma versão deste artigo foi publicada na edição de julho/agosto de 2015 da CJR com o mesmo título.

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