RJESPM 16

46 JANEIRO | FEVEREIRO | MARÇO 2016 caramcasamento,compraramcarroese mudaramparaumamplo apartamento numa zona abastada. A satisfação do casal era reforçada pelo novo emprego de Yegi, que havia se tornado colabo- radora de uma agência internacional de notícias financeiras. Essa maré de coisas boas alegrava a turma dos cor- respondentes. Todos sabíamos como haviamsido dolorosos os últimos anos para Jason e sua família, abalados por perdas que não cabe mencionar aqui. Trabalhar emTeerã tinha seus encan- tos. Havia poucos correspondentes, o que nos dava a sensação de ser- mos uns happy few cobrindo uma das histórias mais importantes do noti- ciário mundial. Tirávamos o maior sarro dos eventuais jornalistas visi- tantes, enviados especiais que che- gavam sem entender nada, publica- vam bobagens ou exigiam, cheios de banca, entrevistas impossíveis (com o comandante da Guarda Revolucio- nária, por exemplo). No verão de 2012, Jason, Thomas e eu integramos um grupo de jorna- listas convidados pelo governo para visitar a cidade portuária de Bandar Abbas. Aproveitando uma brecha naquela programação modorrenta, fugimos para o porto e pagamos um pescador para que nos levasse mar adentro com sua lancha. Flagrante de humilhação Após quinze minutos cortando a toda velocidade as pacatas águas do Golfo Pérsico, nos deparamos com o que buscávamos: navios petroleiros, ânco- ras estendidas e motores desligados, transformados em tanques flutuantes para estocar a produção que o Irã não conseguiamais exportar por causa das sanções. Umflagrante ao vivo e a cores da humilhação imposta a Teerã pelas potências. A prática havia sido detec- tada por empresas de rastreamento de navios, mas nunca registrada pela imprensa. Nossas reportagens tiveram tremenda repercussão. Salvo implicâncias pontuais, o grupo de correspondentes era unido e con- vivia emníveis de respeito que nunca vi em outro lugar. Cada um com sua sensibilidade, nos empenhávamos em retratar as múltiplas faces do Irã. Jason era mestre em reportagens que descreviam com precisão cirúrgica alguns problemas-tabu na sociedade iraniana, como a toxicomania femi- nina e a pobreza extrema. Sempre ponderado, ele tambémcaptava como ninguém as sutilezas na dinâmica entre americanos e iranianos. Jason se orgulhava com razão de ter sido um dos únicos jornalistas a prever a vitória de Rouhani na eleição presi- dencial de 2013. Já Thomas, do Times , tinha faro único para pescar grandes histórias. Foi ele quem revelou aomundo a eva- poração de um dos maiores lagos do mundo, perto da fronteira com a Tur- quia, por causa de barragens constru- ídas pelo governo iraniano. Thomas também é autor de um relato antoló- gico sobre uma competição interna- cional de leitura do Corão . Outra figura de peso é a correspondente do Finan- cial Times , Najmeh Bozorgmehr, ira- niana da gema, imbatível na cobertura dos nebulosos negócios do governo. Entre minhas reportagens, destaca- ria o relato de um enforcamento em praça pública, a longa narrativa mos- trando as sutilezas da condição femi- nina nopaís e uma entrevista exclusiva Muitos iranianos em eventos oficiais eram, na verdade, agentes encarregados de bisbilhotar colegas estrangeiros

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