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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 47 comumdos homensmais procurados do mundo, um clérigo acusado pela Interpol de ter orquestrado os aten- tados antijudeus emBuenos Aires nos anos 1990. O serviço secreto argentino passoumeses naminha cola tentando arrancar informações sobre o sujeito. Felizmente, a lei brasileira de sigilo das fontes me protegeu. Trabalhar sem concorrência era um bálsamo. A já mencionada matéria sobre a condição feminina não teria o mesmo êxito se eunão tivesse lhededi- cadomeses de serena apuração. O fuso horário era tão favorável que eu podia começar a escrever matéria à meia- -noite de Teerã, depois de um jantar ou até de uma festa, e ainda faltariam horas para o fechamento da primeira ediçãona redação emSãoPaulo. Viajar dentrodopaís era tãobaratoquea Folha sempre bancou minhas propostas de reportagemfora deTeerã. Entre outras viagens, fui até as remotasmontanhas estremecidas pelo terremoto de 2012 e contei como é o Deserto de Dasht-e Lut, o lugar mais quente do planeta. Com salário emdólar, vive-se muito bem em Teerã, uma cidade caótica, mas segura e bem-cuidada. Os apar- tamentos são ótimos, o comércio tem quase tudo o que se consome no Oci- dente e há fartura de bons restauran- tes e galerias de arte. Odinheiro ainda dava para bancar ocasionais estadias de descanso na Turquia, em Dubai ou na Europa. Correspondentes transitavamnuma elite que incluía não só diplomatas e funcionários de multinacionais como tambémuma classemédia alta de ira- nianos bemmais cosmopolita e sofis- ticada que a brasileira. Tive a sorte de papear com o cineasta Jafar Panahi (que circulava por Teerã, apesar de estar emprisão domiciliar), jantar com a atriz Leila Hatami ( A Separação ) e conviver com artistas excêntricos. País adverso Mas essas boas lembranças não dimi- nuem a dura realidade: o Irã é umpaís profundamente adverso para o jorna- lismo.Acomeçarpelainternet,cujavelo- cidade o regime restringe para melhor controlá-la. A burocracia também é infernal.Calculoque25%domeutempo eradesperdiçadoempedidosderenova- ção de credencial e visto ou de permis- são para cobrir temas sensíveis (como os judeus persas). Entrevistas exclusi- vas eram raríssimas. Passei quase três anos pedindo conversas com o presi- denteouministros. Omáximoque con- segui foi um subsecretário da Cultura. Tambémficávamos àmercêdas oscila- çõesgeopolíticas.Duranteapresidência Ahmadinejad, temposáureosdarelação Irã-América Latina, a correspondente colombiana,CatalinaGomez,eeutínha- mos tratamento especial. Obtivemos até permissão para conhecer o reator nuclear de Teerã. Mas, em 2013, Rou- hani assumiu a Presidência coma pro- messademelhorar laços comas potên- cias ocidentais, e aAméricaLatina vol- tou ao status de região periférica. Dei- xamos de ser convidados atépara algu- mas coletivas. Todos os correspondentes já tivemos a credencial suspensa, o que implica proibição de trabalhar. Jason teve a sua cassada depois de apenas meses com o Post . O governo nunca dava explicação. Eu passei três semanas semcredencial, presumivelmente por causa da matéria sobre os petroleiros no Golfo Pérsico. Jason era presa fácil devido a sua tripla vulnerabilidade: jornalista, iraniano e americano. O certo é que a prisão foi um ato político

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