RJESPM 16

48 JANEIRO | FEVEREIRO | MARÇO 2016 Trabalhar no Irã tambémsignificava viver sob constante monitoramento. Um dia, um sujeito afável me abor- dou num café de Teerã e fez de tudo para puxar papo. Dizia ser empresá- rio em Dubai e prometeu me levar para as festas secretas mais loucas de Teerã. Meio coagido, dei meu tele- fone, e ele me ligou sem parar até o fim da minha estadia. Havia outro esquisitão semelhante, um tradutor do Banco de Desenvolvimento Irã- -Venezuela (!) que se aproximou de mim por amigos em comum (diplo- matas que ele também espionava) e insistia em me convidar para jogar futebol. Boa parte dos repórteres ira- nianos credenciados para cobrir even- tos oficiais eram, na verdade, agen- tes encarregados de bisbilhotar cor- respondentes. O regime também usa mulheres, a maioria modernas e poli- glotas, para se aproximar dos estran- geiros. Esse ambiente de paranoia era sufocante e, às vezes, dava até palpi- tações. O coração quase me saía pela boca quando eu ia entrevistar ativis- tas de direitos humanos. Fechando o cerco Em 2013, o chefe adjunto do escritó- rio de uma agência internacional teve de sair às pressas do país, deixando até louça suja na pia de casa, para não ser preso. A polícia havia forçado sua namorada, iraniana, a assinar acusação falsa de que ele a havia embebedado e estuprado. Os desdobramentos do caso afetaramoutros jornalistas, alguns dos quais também tiveram de fugir. Meses antesdaprisãodeJason, novos incidentes deixaram os correspon- dentes em alerta. Jason vinha sendo seguido ostensivamente. E, num epi- sódio aterrador, Yegi e a já mencio- nada fotógrafa foram interceptadas por agentes à paisana ao sair de uma pauta nos arredores de Teerã, coloca- das à força numa van e levadas para umgalpão. Sem se identificar, os cap- tores as interrogaram e as acusaram de narcotráfico. Antes de libertá-las, derama entender que a fotógrafa, não Yegi, era o alvo do ataque. Ao que tudo indica, os agentes buscavam intimidá- -la por causa de sua proximidade com Rouhani, de quemestava se tornando fotógrafa oficial, com lugar garan- tido no avião presidencial. Pode ser difícil de entender, mas o Estado ira- niano é umsistema horizontal onde se enfrentam polos de poder com agen- das conflitantes e sob olhar distante do líder supremo, aiatolá Ali Khame- nei, que segue a máxima de “dividir para reinar”. Na prática, setores ultraconservado- res que controlam a Justiça e o apa- rato de segurança têmmuito a perder, econômica e ideologicamente, com a abertura e o acordo nuclear condu- zidos por Rouhani. Mas como não se atrevema atacar diretamente o presi- dente da República, eleito por sufrá- gio universal direto com a bênção do líder supremo, optampor alvejar seus aliados ou causas, como a liberdade de imprensa. A facção que capturou a fotógrafa e Yegi, é a mesma por trás da prisão de Jason, presa especial- mente fácil devido a sua tripla vul- nerabilidade: jornalista, iraniano e americano. O caso sempre foi polí- tico. Primeiro, os ultraconservado- res pareciam usar Jason para sabo- tar conversas nucleares. Assinado o histórico acordo, passaram a bus- car outro mecanismo de chantagem. O caso era tão inconsistente que a Justiça nem sequer se deu ao trabalho de dizer como ficaram as acusações depois que Jason foi solto

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