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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 77 mos juntos, por assim dizer. Eu é que nunca fui tipicamente da minha geração. Meu pai era um homem do samba-canção, fã de Chico Alves, Sílvio Caldas, Car- los Galhardo (embora também de Carmen Miranda e Mário Reis); minha mãe era fã de Or- lando Silva, Dick Farney, Lúcio Alves, Frank Sinatra, Doris Day e big bands , além de tangos, bo- leros, valsas vienenses. Ou se- ja, cresci sob uma “tempestade de ritmos” e gostando muito de todos. Havia montanhas de dis- cos na casa deles. Eu próprio, a partir dos 11 anos, já gostava de Louis Armstrong, Benny Good- man, Harry James, e logo iria descobrir Dizzy Gillespie, The- lonious Monk, Charles Mingus. A convivência íntima com o jor- nalista e pesquisador José Lino Grünewald, pouco depois, me levaria à grande música popu- lar digamos “secreta” das pri- meiras décadas do século. Por exemplo, quando Caetano Velo- so gravou o tango Cambalache , em 1969, eu já o conhecia da ca- sa do Zé Lino. Na verdade, sin- to-me à vontade para escrever sobre qualquer tipo de música entre 1900 e 1970. Em um livro sobre o império, Era no Tempo do Rei , você fez sua primeira incursão na ficção. Como se sentiu? Sente que a tendência é se dedicar a ficção outras vezes? A primeira incursão na ficção foi Bilac Vê Estrelas , em 2000. Era no Tempo do Rei veio em 2007. Ao contrário de minha mulher, Heloisa Seixas, não sou um ficcionista nato. Tenho di- ficuldade para criar plots ori- ginais e só consigo trabalhar a partir de personagens reais, em cenários que pesquisei muito e tentei reconstituir. Assim, po- de-se dizer que, nesses dois ro- mances, 70% eram documen- tário e 30% ficção. No primei- ro, os personagens são Bilac e José do Patrocínio; no segun- do, são o príncipe D. Pedro (fu- turo D. Pedro I) e o menino Le- onardo, herói do romance Me- mórias de um Sargento de Milí- cias , de Manuel Antônio de Al- meida – juntei os dois na mes- ma história. Ambos os livros fo- rammuito bem recebidos e ven- deram bem. Foram também in- dicados para prêmios e adapta- dos por Heloisa e Julia Romeu para comédias musicais de su- cesso ( Era no Tempo do Rei , em 2010, e Bilac , em 2015). Só não dei continuidade porque, no fundo, sou mesmo um homem da não ficção. Mas já tenho um terceiro romance planejado pa- ra 2017 e cujo personagem se- rá – está vendo? – D. Pedro II. É frequente seus colegas jornalistas expressarem surpresa com a sua capacidade de produção. Quantas horas por dia você escreve? Como organiza o trabalho? No caso dos livros maiores (bio- grafias e reconstituições histó- ricas), a apuração é sagrada: vai levar o tempo que precisar. Só começo a escrever quando con- sidero que não há mais nada de relevante a descobrir. Isso faci- lita muito, não preciso ficar bri- gando com o texto. Além dis- so, o grande barato desse tra- balho é a apuração – a possibi- lidade de conversar com pes- soas que fizeram parte da histó- ria ou foram suas testemunhas A Noite do Meu Bem Ruy Castro Companhia das Letras, 2015 544 páginas (amigos íntimos de Nelson Ro- drigues ou Carmen Miranda, por exemplo) e descobrir infor- mações sobre o período. Todos os dias há motivo para um ou mais deslumbramentos. Anos depois, se a apuração tiver si- do bem-feita, sentar para es- crever é um bônus – algo que se pode fazer com prazer. É es- se prazer que tento transfe- rir para o leitor. Portanto, en- tre apurar e escrever, pode-se dizer que, nas fases agudas do trabalho, durante vários meses, trabalho de 7 da manhã até pe- lo menos meia-noite. Ah, sim, e ainda preciso encontrar tempo para fazer quatro colunas por semana para a Folha . Dá uma dica: você faz um roteiro minucioso do livro an- tes de começar a escrever? Mais ou menos. Parto de um es- queleto composto de fatos que todo mundo sabe e, dali, par- to para recheá-lo com os fa- tos que poucos sabem. Ao la- do desse esqueleto, um elenco de nomes relativos ao biogra- fado e ao assunto, que levarei os anos seguintes entrevistan- do. Esse elenco vai sofrendo al- terações: alguns nomes caem, porque não tinham nada a ver ou morreram, e surgem outros, indicados pelos primeiros com quem conversei. Vão de 150 a 200 fontes por livro, com uma média de quatro ou cinco con- versas com cada uma no decor- rer dos anos – para o Carmen , fiz perto de 1.000 entrevistas. E esse é o segredo desse traba- lho: o tempo e a quantidade de gente que se ouve. Leva-se tan- to tempo em cima do assunto e se ouve tanta gente que dificil- mente um fato importante, por mais melindroso e que se ten- te esconder, deixa de aparecer. Por fim, algum cheiro sobre qual será seu próximo tema de pesquisa? Já tem algum que você vem pesquisando e ainda não se tornou livro? Não. Tenho vários livros progra- mados para a Companhia das Le- tras e outras editoras pelos pró- ximos dois anos, mas nenhum sobre alguém em particular. Só posso dizer que, para o fim do ano, vem aí um livro sobre bio- grafias em geral, A Vida por Es- crito , e um novo Saudades do Sé- culo XX , livro originalmente de 1994, mas agora ampliado e re- formulado. E há inúmeros sub- produtos que podem sair de A Noite do Meu Bem – shows, dis- cos, exposições, filmes, especiais de televisão. Como diz o Woo- dy Allen, certas instituições bo- tam o sujeito para fazer cestas, a fim de mantê-lo ocupado e im- pedido de enlouquecer. Os livros são as cestas que eu me propo- nho a fazer. ■ REPRODUÇÃO
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