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80 JANEIRO | FEVEREIRO | MARÇO 2016 CREDENCIAL EUGÊNIO BUCCI Seis alertas entre um e outro passaralho É hora de mudar o lado do disco e tratar do que realmente interessa: a qualidade dos serviços que as redações prestam à sociedade umassombroeumparadigma viciado nublam os debates sobre o futuro da imprensa. O assombro é o estupor seguido de atonia gerado pelas suces- sivas inovações tecnológicas a que alguns dão o nome de revolução digi- tal. As pessoas se entreolham como quemespera para qualquer momento o anúncio de umchip a ser implantado naunhadopéque, conjugadocomuma pílula radioativa matinal, atualizará o cidadão combancos de dados novíssi- mos, notícias frescas em 25 línguas, e, pior, tudo de graça. Mutações genéti- cas serão domesticadas por softwares invasivos e o jornalismo entrará nisso de carona. O assombro é inevitável, mas enganoso. O paradigma viciado é a forma empresarial que a imprensa assumiu entre os séculos 19 e 20. É a forma dominante, mas não era, não é e não será a única possível. Jornais já foram “devezenquandários” sem fins lucra- tivos e hoje podemser blogs colabora- tivos de espírito público, sustentados por redações profissionais (isso, sim, é indispensável) de ótima qualidade. A empresa não é a única forma pos- sível para o exercício do jornalismo, e discutir o futuro da imprensa não deveria se limitar às considerações acercade “modelos denegócio”. Existe imprensa além da morte do negócio. Do ponto de vista da democracia, a instituição da imprensa, enraizada na sociedade e desvinculada do Estado, é indispensável. Por todas as razões. Ela não é uma das esferas emque se pode criticar publicamente o poder a par- tir de uma perspectiva independente: é a única. A qualidade da imprensa, a qualidade que interessa, é aquela que ajuda na realização dessa mis- são insubstituível, que só a imprensa (cujo idioma é o jornalismo) é capaz de realizar. É disso que se trata. Pensando nisso, seguem-se alguns alertas, emnúmerodemeiadúzia, para contribuir com aqueles que buscam elevar a qualidade dos serviços que suas redações prestam à sociedade. 1. Estudar. Uma redação que se con- tente coma tarefa industrial de cuidar do “fechamento” de pacotes editoriais já estámorta. Ou ela é umnúcleo pen- sante, capaz de elaborar com densi- dade sobre o que cobre e publica, o que requer que seus integrantes sejaminte- lectuais e estudiosos, ou já era. Uma redação deve se ver como uma “situ- ation room” permanente debruçada sobre assuntos de interesse público. Organizar o estudo dentro da redação se tornou um imperativo. A cada dia mais, o “hardnews” é “no news”. A notíciamigra do fato para o nexo entre os fatos – e, para cobrir o nexo, é pre- ciso compreendê-lo por antecipação. 2. Internacionalizar. Lembremos as iniciativas nos moldes do ICIJ (Inter- national Consortiumof Investigative Journalists), que vêm sendo capazes demobilizar e coordenar o trabalho de dezenas de repórteres de dezenas de países emcoberturas coletivas. Como as redações atuais – as convencionais, as estabelecidas nos mercados nacio- nais – estão se preparando para isso? 3. Laicizar. Aqui temos um desafio mais grave no Brasil do que emoutros países. A promiscuidade entre religi- ões, igrejas, meios de comunicação e, pior ainda, partidos políticos está degradando a perspectiva analítica do jornalismo, além de estar deterio- rando a esfera pública brasileira. Jor- nalismo dócil a autoridades religiosas é uma contradição em termos. 4. Desentreter. Há os jornalistas que festejam a indústria do entrete- nimento (futebol, shows musicais, novelas, confraternizações melosas), como se isso fosse uma questão de bom humor. Não é. Sem olhar crítico distanciado em relação à indústria do entretenimento não se enxerga o mundo emque vivemos. O jornalismo que escolhe cair na folia escolhe cair fora de si mesmo. Um pouco de aus- teridade vai bem. 5.Desigualarosdesiguais. Nãobasta ser rigoroso com os dois lados. Não basta não ter lado. Épreciso bater com mais força nos de cima. Ou o público desconfia de servilismo. 6. Honrar o idioma. Chega de vili- pendiar o vernáculo. A língua, como a terra e a chuva para o agricultor, é força produtiva na imprensa. Se não cuidarem dela, os profissionais de imprensa abastecem sem se dar conta do desastre ecológico que já começa a corroê-los por dentro. ■ eugênio bucci é diretor de redação da Revista de Jornalismo ESPM e professor da ECA-USP.

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