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14 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO 2016 Descemos para tomar um drink no Le Monde, um café que, sugestiva- mente, leva o nome do vetusto ves- pertino francês. Klatell me pediu para escolher entre o LeMonde e o vizinho café cubano, e eu preferi o primeiro – quase em frente à entrada da univer- sidade, na Broadway. Foi ali que, por sua sugestão, pedimos vodka. Aprendi que era seu drink preferido – quando jantamos, de outras feitas, não bebeu vinho, e simvodka. Queria saber tudo, detalhes deminha vida, pessoal e pro- fissional, alémde avançar sobre as pos- sibilidades de trabalhos que podería- mos fazer juntandoColumbia eminha escola no Brasil, a ESPM. Nunca havia estudado fora. Aquela era a primeira que vez que tinha contato com a aca- demia no estrangeiro. OprofessorKla- tell foi meu guia. Suave, mas enérgico, foi também o maior abridor de fontes que eupoderia ter. Decidi que também iria seguir o seu curso naquele semes- tre, de nome Reporting – Reportagem emportuguês. Seria umouvinte. Foi o que combinamos no Le Monde, com um brinde justo e necessário. Arte de ensinar A primeira aula estava programada para 4 de setembro, e eu estava lá. O tema do semestre era Transporte e cada aluno teria de se dedicar a um assunto relativo aos problemas de transporte na cidade. E deveria produzir uma senhora reportagem. “Vocês são jornalistas, vocês podem ir até onde as pessoas não podem”, animou o professor antes de discor- rer sobre a necessidade de enterprise stories , investigações profundas. Para tanto, uma fraqueza que une jorna- listas no mundo inteiro deveria ser evitada: “Jornalistas costumam não entender números, não diferenciam receita de lucro”, disse Klatell aos alunos. Bingo. Um de seus exercícios prediletos era apresentar uma série de frases com números e percentuais e per- guntar o que o estudante poria em dúvida em cada uma delas. Aprendi também, ó ironia, que os alunos da pós-graduação em Columbia leem, todos, os textos indicados pelo pro- fessor. Aqui no Brasil, em geral, os professores têm de explicar aos alu- nos o texto indicado para cada aula, porque poucos se preparam com sua leitura prévia, teoricamente obri- gatória. Em Columbia, é impossível acompanhar a aula se você não vier com a leitura em dia. “Não insulte o entrevistado pedindo que ele te ensine o negócio dele, o assunto dele”, pediu o professor numa outra aula. Perguntou se o jornal The NewYork Times colocava “muita ener- gia” em poucas histórias. Os alunos concordaram, mas questionaram. Kla- tell explicou então a enorme diferença entre o New York Times e a maioria dos outros jornais, commenor capa- cidade investigativa. “Haverá sem- pre uma questão-chave a explicar e o esforço deve ser perseguido”, resumiu. Para ele, opinião era algo secundário. “We live in a data-hyped world”, afirmou, o que pode ser tra- duzido por algo como “Vivemos numa sociedade movida a dados sensacio- nalistas”. Klatell também trouxe cole- gas para falar emclasse. Duy Linh Tu, especializado emmídias digitais, era seu assistente. Estava sempre pre- sente e participante. Bill Grueskin, então diretor acadêmico, veio para ser entrevistado. Também apareceu Emily Bell, a celebrada coautora do paper sobre jornalismo pós-industrial. Foi quando aprendemos também, em toda a sua extensão, o que significava o fato de as fontes de notícias terem passado a divulgar suas mensagens diretamente para o público, sem a intermediação do jornalista. Tam- bém não faltou uma pitada de iro- nia quando se referiram ao famoso trabalho digital do New York Times , o Snow Fall , definido ali como “jor- nalismo artístico”. Tempo de disrupção O espaço é pequeno para entrar nos detalhes do aprendizado comKlatell mesmo para um veterano como eu, aquele solipsista que imaginava ter visto tudo, ou quase tudo. “Jornalis- tas não fazem a coisa certa, mas eles tentam fazer a coisa certa”, dizia ele. Algo da metáfora do médico: “Você podeme acusar de não ter conseguido o sucesso, mas não podeme acusar de não ter tentado o sucesso”. Ou tudo sobre interesse público versus valor da notícia, privacidade versus permissão. E, para não deixar muitas perguntas sem resposta, quem é o dono de sua história? “Nenhum de nós, na esfera pública, é dono de sua própria ima- gem”, respondeu Klatell. Ele mesmo dedicou o espaço desta revista para muitas questões canden- tes do jornalismo em tempo de dis- rupção – várias delas abordadas nos cursos que deu. Achava que as novas tecnologias nos obrigam a repensar os fundamentos do jornalismo. E que uma das maneiras de combater a fra- queza dos negócios de mídia é firmar um pacto, uma parceria com a tec- nologia. Foi ao ponto ao dizer que a indústria da comunicação tradicional ainda está emposição de defesa e pre- cisa sair dessa para jogar o jogo pesado

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