RJESPM_18
REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 17 desconhecessem o teor do seu depoi- mento, teria uma probabilidademuito maior de sobreviver no cargo. Apubli- cação de uma reportagempela revista IstoÉ , contudo, estragou seus planos. Nessecaso, pode-sedizer, citandoo juiz Louis Brandeis, da SupremaCorte dos Estados Unidos, que a luz do Sol foi o melhor desinfetante. Interesses opostos Em torno da polêmica existe um clás- sicocasodeconflitodeprincípios cons- titucionais. De um lado, há a liberdade deexpressão.Oartigo220daConstitui- ção estabelece que “nenhuma lei con- terá dispositivo que possa representar embaraçoàplena liberdadede informa- ção jornalística emqualquer veículode comunicaçãosocial”.Deoutro, háopre- ceitoda segurançadodelator, que tam- bémé tratado pela CartaMagna como um direito fundamental. “É um equi- líbrio difícil de atingir, porque há inte- resses opostos em jogo”, afirmaMario Cesar Carvalho, repórter da Folha de S.Paulo envolvidodiretamentenacober- tura do escândalo. Segundo ele, o jor- nalista deve ponderar se a informação podecolocaremriscoavidadeumdela- tor. “No caso da Lava Jato, me parece remoto, já que se trata de corrupção e crimes financeiros. Seria diferente no caso de tráfico de drogas oude armas.” Para Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e advogado com atuação na Lava Jato, ainda que a lei dêmargempara a puni- ção de jornalistas, não é uma situação preto no branco, depende do juiz que vai interpretá-la. “Ao harmonizar os direitos, é possível considerar que o dever de guardar o sigilo não é do jor- nalista, mas da autoridade envolvida na investigação”, explica. O advogado VicenteGrecoFilho temopinião seme- lhante.“Trata-sedeumcrimefuncional. O dever de sigilo não é da imprensa”, afirma, emborareconheçaquehámuita divergência nomeio jurídico emtorno da abrangência da responsabilidade. JanaínaPaschoal, advogadaeumadas autoras do pedido de impeachment de Dilma, considera que existe, sim, risco para o jornalista, uma vez que a lei é muito subjetiva. “A imprensa e a aca- demia deveriam debater melhor esse assunto. O Supremo Tribunal Federal tem sido liberal ao tratar de questões desse tipo, mas isso pode mudar”, diz. Professora de Direito Penal da USP, Janaína diz que é necessário haver alguma restrição, sobretudo quando a investigação trata de organizações cri- minosas perigosas, como as que atuam no tráfico de drogas. “Mas, nos casos em que há políticos e agentes públi- cos envolvidos em corrupção, como na Lava Jato, a questão do sigilo pre- cisa ser considerada de maneira mais abrandada”, opina. Para a advogadaTaísGasparian, que representa a Folha , o artigo 18 não se constitui num embaraço à atividade jornalística. Segundo ela, o dispositivo é similar ao da lei que impede a iden- tificação da criança ou do adolescente (ECA, lei 8.069) e visa proteger a pes- soa que está em situação vulnerável. “De qualquer modo, me parece que a defesa, para o caso de algum jornalista ser processado por esse ilícito, seria justamente o artigo 220 da Constitui- ção”, declara. Iniciada em março de 2013 com as prisões do doleiro Alberto Youssef e do então diretor de abastecimento da Petrobras, PauloRobertoCosta, aLava Jato tem produzido números impres- sionantes. Foram1.291 procedimentos instaurados, 643 buscas e apreensões e 44 acusações criminais contra 216pes- soas, sendoque jáhouvesentençaem21 delas, segundo dados do site doMinis- tério Público Federal, em 1º de agosto. Os crimes denunciados abarcaramum montantedecercadeR$6,4bilhões em propinas – R$ 2,9 bilhões foram recu- perados por acordos de colaboração. Houve até o momento 106 condena- ções.Aoperaçãodescobriuumesquema de corrupção sistêmica no qual, como afirmou emsua delação o lobista Júlio GerindeAlmeidaCamargo(ToyoSetal), opagamentodepropinade 1%a2%era umacondiçãopreestabelecidaparaqual- quer contrato da Petrobras. Uma sim- ples “regra do jogo”. Questão política A despeito de toda controvérsia jurí- dica em torno da exigência do sigilo, uma questão essencialmente política ajudou a preservar os jornalistas de maiores questionamentos. Aestratégia dos investigadores da Lava Jato sem- pre foi a de dar o máximo de publici- dade possível para a operação a fimde angariar o apoio da opinião pública e, assim, evitar que as poderosas figuras públicas envolvidas conseguissem, de algummodo,obstruí-la.Adúvidaésaber o que ocorrerá no instante em que os interesses de jornalistas e autoridades, desta oudeoutras investigações, forem conflitantes. ■ rogério gentile foi secretário de redação da Folha . Entre outras funções, também foi editor da coluna Painel e do caderno Cotidiano. Iniciou um período sabático em abril de 2016.
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