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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 21 A ameaça (também) vem de dentro Reportagens nos Estados Unidos chancelam noção de que terrorismo só existe quando cometido por estrangeiros e atiçam preconceito contra muçulmanos por rafia zakaria no dia 17 de junho de 2016, Dylann Roof entrou em uma Igreja frequen- tada predominantemente pela comu- nidadenegra emCharleston, no estado americano da Carolina do Sul, e abriu fogo . Quando parou, havia nove pes- soas mortas a sua volta. Nos dias que se seguiram ao ato macabro, a mídia foi tomada por umdebate. A saber, se o assassino – um defensor da supre- macia branca – devia ser considerado um terrorista. Muitos, incluindo Phi- lip Bump, do WashingtonPost , se opu- nhamveementemente ao rótulo, insis- tindo que, ainda que o Departamento de Justiça americano tivesse classifi- cado a matança como “um ato de ter- rorismo doméstico”, chamar Roof de terrorista seria conferir a ele a noto- riedade que tanto buscava. “E se ríssemos dele em vez de dizer que ele nos assustou?”, escre- veu Bump. “E se o botarmos na pri- são para o resto da vida e esquecer- mos dele, da sua jaqueta patética, da sua placa de carro patética e da sua vidinha horrível e patética?” Assim como outros jornalistas e analistas, Bump analisou as dimen- sões sociológicas e éticas do rótulo terrorista, a dúvida sobre se todo aquele que aterroriza é terrorista e sobre se o uso generalizado do rótulo de certa forma diminui a potên- cia do mal que ele representa. Isso posto, assim como quase todo jorna- lista que escreve sobre terrorismo, Bump ignorou o ponto mais crucial sobre o uso do termo pela mídia: o fato de que, atualmente, não há na legislação americana o crime tipifi- cado como “terrorismo doméstico”. Por mais sangrento e odioso que seja, um ato só é considerado terrorismo nos Estados Unidos se estiver ligado a uma organização ter- rorista “estrangeira”. Lei omissa É uma omissão custosa cujo impacto é visível na virulenta retórica elei- toral testemunhada ao longo do último ano nos Estados Unidos. Não fosse pela exigência da legislação para organizações “estrangeiras”, um eleitor de Donald Trump que gritou: “Matem todos os muçulma- nos”, nas imediações de um comício no começo do ano, poderia ter sido denunciado à Justiça por dar “apoio material ao terrorismo”. Aliás, se a supremacistas brancos e a outros grupos antigoverno fosse aplicado o mesmo peso adotado em casos de ataques inspirados por organi- zações terroristas “estrangeiras”, outros partidários de Trump e tal- vez até o próprio candidato pode- riam ser igualmente denunciados. Mas o estatuto que tipifica o apoio ao terrorismo (o Material Support for Terrorism) não se aplica a esses casos – nem ao de Dylann Roof, nem ao de James Holmes (do massacre num cinema no Colorado), nem a qualquer indivíduo cujo ódio tenha origens internas, ainda que mate ou ameace matar dezenas ou milhares de pessoas. Jornalistas são ferrenhos defen- sores das liberdades garantidas pela Primeira Emenda à Constitui- ção americana, que permitem que 1 1 Artigo adaptado de um relatório da autora para o Tow Center, parte de uma série sobre jornalismo e terrorismo produzida em parceria pelo Tow Center for Digital Journalism e a organização Democracy Fund Voice
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