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28 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO 2016 exemplo digno de nota, a imprensa passou perto de um mês analisando os erros de uma reportagem do tele- jornal 60MinutesWednesday , que foi ao ar em setembro de 2004 na CBS e segundo a qual Bush teria rece- bido tratamento especial da Guarda Aérea Nacional do Texas. Omaterial era baseado em documentos de 1972 e 1973 cuja autenticidade era ques- tionada. O âncora Dan Rather se des- culpou pelo episódio e a CBS defen- deu a reportagem por dez dias – mas a cobertura se estendeu por semanas. Aos olhos de muitos eleitores, é um tempo que poderia ter sido usado de forma mais relevante, para tratar das promessas eleitorais nos meses finais da campanha. Acusações bizarras Na campanha atual, a imprensa volta a exibir amesma dissonância. Na esteira de atentados terroristas como os de Nice e Paris, Donald Trump acusou reiteradamente BarackObama de não combater o EI comfirmeza. Valendo- -se de pouco mais do que uma conta no Twitter, Trump recebeu, segundo o New York Times , o equivalente a US$ 1,9 bilhão em cobertura na TV – sem pagar nada. O candidato gastou apenas US$ 10 milhões em publici- dade paga e foi foco de 62% de todas as reportagens durante as primárias. De modo geral, as emissoras de TV americanas reagiram a declara- ções de Trump em plataformas digi- tais com painéis de discussão opi- niosos e enquetes. As mudanças de discurso sobre a promessa do candi- dato de proibir a entrada de muçul- manos nos Estados Unidos é umbom exemplo. Da notícia na Time “Donald Trump Pushes for MuslimBan After Orlando Shooting” (Donald Trump Pressiona por Proibição da Entrada de Muçulmanos Depois do Tiroteio em Orlando, em tradução livre) a uma reportagem explicativa no site Vox, “Donald Trump’s ‘New’ Muslim Ban Plan Is Just as Scary as the Old One”, (Novo Plano de Donald Trump para Proibir Entrada de Muçulma- nos ÉTão Assustador Quanto o Ante- rior), cada repetição da promessa recebeu a devida análise. O resul- tado disso foi oficializar o terrorismo como questão crucial da campanha, bem como estigmatizar uma mino- ria americana vulnerável. O foco dos meios de comunica- ção no terrorismo não é justificado pelos fatos. Embora episódios futu- ros de ataques sigam sendo pro- váveis, outras formas de violência matammais americanos do que eles todo ano. Segundo dados do Depar- tamento de Justiça e do Conselho de Assuntos Externos do país, uma média de 11.385 pessoas morreram em incidentes com armas de fogo por ano entre 2001 e 2011 nos Esta- dos Unidos. No mesmo período, 517 pessoas em média foram mortas ao ano em incidentes ligados ao terro- rismo. Excetuando as mortes liga- das ao terrorismo em 2001, a média anual cai para 31. Mas a tática de Trump de pro- vocar uma resposta da mídia a seu alerta de atentados terroristas deu certo. Embora suas acusações mais bizarras – dizer que Barack Obama criou o EI, por exemplo – tenham sido objeto de escárnio geral, ainda assim dominaram o ciclo noticioso e alçaram o terrorismo ao topo da pauta jornalística. Segurança garantida A campanha de Trump ganhou com isso, pois obrigou a disputa a ser travada em território que conside- rava favorável – exatamente como fez o comitê de Bush em 2004. Uma pesquisa recente do Pew Research Center mostrou que, se estivessem mediando umdebate de 100minutos entre Trump e Hillary Clinton cen- trado em dez questões, os eleitores reservariam 15 minutos para ouvir as ideias dos candidatos para garan- tir a segurança dos Estados Unidos. Crescimento econômico, saúde, déficit orçamentário e imigração fica- Outras formas de violênciamatam mais americanos do que atos terroristas cometidos até agora
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