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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 51 Ela acabou passando por uma expe- riência quase idêntica quando rece- beu um pedido de outro produtor da Vice para ajudar a equipe dele em um documentário no Haiti, onde ela estava na época. Depois que pergun- tou sobre o pagamento, nunca mais teve notícias dele. “Eu soube em várias ocasiões (por intermédio de antigos funcionários) que esse é o jeito que a Vice costuma agir”, contou por e-mail. Três antigos funcionários respon- sáveis por jornalistas freelancers dis- seram que esses casos retratam bem a postura da empresa. De acordo com um ex-produtor da Vice na HBO que pediu anonimato, “a empresa acredita que a sua equipe tem as pessoas mais importantes e descoladas do mundo, então a simples ideia de se sentir cul- pado por não pagar direito alguémde fora é absurda para eles”. Outra ex-funcionária que pediu para não ter o nome publicado, disse que se demitiu por questões éticas, pois o jornalismo depende de um tratamento justo dos jorna- listas, independentemente de sua posição na equipe. “Existe um pro- blema cultural lá dentro,” diz. Em várias ocasiões, ela traba- lhou em filmagens em que a equipe dependia do apoio de fixers. Emdois casos eles estavamfilmando em locais perigosos. Um dos produtores locais ficou meses sem receber, enquanto o outro teve que assumir sozinho uma conta de hotel que a Vice não cobriu. “Não é um lugar que valoriza muito as pessoas, mas todo mundo que está fora acha que a Vice é incrí- vel. Quando eu disse que me demiti, as pessoas achavam que eu estava louca”, conta a ex-colaboradora. Eumesma tinha ficadomuito cho- cada com minha experiência com a Vice , porque pensava que a verve independente da revista significava que havia mais respeito pelo traba- lho do jornalista independente. Eu estava errada. Muitos dos jornalis- tas com quem conversei para escre- ver estamatéria achamque a Vice usa sua reputação de inovadora para se aproveitar dos freelancers. Para Karine Barzegar, a jorna- lista francesa que foi procurada para conseguir as entrevistas com antigos recrutas do Estado Islâmico em Paris, sem nenhuma garantia de pagamento, “quando você tem 40 anos, com experiência no jorna- lismo, e alguém te liga desse jeito, você saca rapidinho que tem algo errado. Mas se eu fosse mais nova, uma aspirante a jornalista commeus 20 e poucos anos morrendo de von- tade de trabalhar para a Vice , eu pro- vavelmente teria me matado para fazer tudo que eles pedissem. E isso é um problema”. Outros três jornalistas freelancers, indicados pela Vice , contamuma his- tória diferente. BrianMoylan, deNova York, traba- lha para a Vice desde 2012 e também escreve para o Guardian , o New York Times e a Time . Moylan faz uma aná- lise otimista de sua experiência coma revista, especialmente sobre seu edi- tor, que segundo ele o estimula a ser um jornalista melhor, fazendo com que procure mais fontes e se esforce para ser mais justo e razoável em sua apuração. Moylan diz que sempre foi pago corretamente pela Vice , e acres- centa: “Não tenho nenhumproblema com eles que eu não tenha com qual- quer outra pessoa”. Stan Donaldson, que já fez parte das equipes do Detroit Free Press e do Cleveland Plain Dealer , faz trabalhos para a Vice desde 2015. Sua última experiência foi como fixer para um documentário sobre Anthony Sowell, um assassino em série que entre 2007 e 2009 estuprou e matou pelo menos 11 mulheres negras em Cleveland. Donaldsonme disse que foi tratado muito bem pela equipe da Vice e que foi bem pago por seu tra- balho no projeto. Não foi bem assim Emmarçode 2016, a aCanadianMedia Guild (CMG), sindicato nacional que reúne empregados dos principais meios de comunicação do Canadá, pediu que os jornalistas do país com- partilhassem suas experiências coma Vice , fundada em 1994 emMontreal. KarenWirsig, representante sindi- cal da Vice na CMG , já tinha ouvido críticas de funcionários canadenses sobre o modo como os freelancers estavam sendo tratados na empresa. Mais de uma dezena de jornalistas procurou Wirsig, com muitos rela- tos detalhados, na maioria sobre pagamentos muito baixos ou atra- sados. Umjornalista contou que levou sete meses para receber 60 dólares por uma matéria. O mais chocante, porém, foi a descoberta da quanti- dade de freelancers na equipe da Vice . “Acho que as pessoas esperammais da Vice ”, diz Wirsig. “Ela tem uma reputação – ou se aproveita de uma reputação – de tratar bem as pessoas e ser inovadora. Mas é muito grave quando você não se compromete com as pessoas e não valoriza os sacrifícios que elas fazem por você. Isso não é inovador. É uma grande sacanagem.” ■ yardena schwartz é jornalista freelancer emTel Aviv e já foi indicada ao Emmy por sua atuação como produtora. Texto publicado no site www.cjr.org em 31 de agosto de 2016.
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