RJESPM_18
54 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO 2016 É difícil traduzir Correspondente narra os obstáculos de apurar e resumir o processo de impeachment de Dilma Rousseff para leitores que pouco – ou nada – conhecem da política nacional por joe leahy era abril. Tinha coberto a sessão da Câmara dos Deputados que votaria o impeachment da presidente Dilma Rousseff e estava a caminho do aero- porto em Brasília para pegar o voo de volta a São Paulo quando recebi uma ligação do palácio presidencial. Dilma Rousseff daria uma coletiva a jornalis- tas estrangeiros no dia seguinte, me disseram. Pedi ao taxista que voltasse. No final, a ocasião não rendeu muito. Dilma começou com duas horas de atraso e, então, fez ummonó- logo incompreensível negando que tivesse cometido as infrações orça- mentárias pelas quais estava sendo afastada. Encerrou a coletiva semdar uma declaração digna de ser publi- cada. Devido ao atraso, e à hora do fechamento, tive apenas dez minu- tos para escrever. A incapacidade da presidente de se comunicar bem era apenas mais um fator na complexa luta por poder conhecida durante o processo de impeachment – luta que deixou o maior país e a mais importante eco- nomia da América Latina em com- passo de espera em 2016. Para correspondentes estrangeiros, o impeachment trouxe uma série de desafios jornalísticos. Alguns sucum- biramà tentação de endossar a estere- otipada narrativa da heroica ex-guer- rilheira que, uma vez na presidência, fora alvo de uma invejosa, corrupta e conservadora elite obcecada emrever- ter recentes avanços sociais no país e restaurar a República Velha. História complicada Averdadeira história, obviamente, era mais complicada – e, por issomesmo, mais interessante. Mas, como trans- mitir isso a um leitor estrangeiro que, com sorte, teria ouvido o nome de Dilma Rousseff – que dirá o de Michel Temer? Mais difícil ainda era a comple- xidade jurídica do processo do impeachment propriamente dito. A presidente cometeu mesmo um crime de responsabilidade na questão doorçamento?Ecomo lidar como fato de que estava sendo afastada por polí- ticos que, emmuitos casos, eram eles mesmos acusados de envolvimento direto no esquema de corrupção? Para navegar nesse processo, desde o iníciode 2015 fui falar comvários dos principais personagens envolvidos. Lembro da entrevista com Eduardo Cunha, o ex-presidentedaCâmara que autorizou a abertura do processo de impeachment em dezembro de 2015. Sumo sacerdote do “baixo clero” no Congresso, Cunhamepareceu calmo e articulado, até sobre temas que fugiam a sua área – como o mercado de capi- tais. Dava para ver que, não obstante as falhas morais do deputado, Dilma Rousseff cometera um erro político no começo de 2015 ao alienar Cunha coma atabalhoada tentativa de impe- dir que ele assumisse a presidência da Câmara. Bati perna pelos corredores do Congresso, indo e vindo por passa- gens subterrâneas para falar com os arquitetos do impeachment e seus
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