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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 63 leão serva é jornalista, professor do curso de graduação em jornalismo da ESPM e escritor, autor de A Desintegração dos Jornais (Reflexão, 2015) e coautor do guia anual Como Viver em São Paulo Sem Carro. É DECERTO intrigante que uma das jornalistas mais renomadas e respeitadas do país tenha es- perado tanto tempo para lan- çar o primeiro livro. Ao mes- mo tempo, o fato de O Instante Certo ser sua obra pioneira é revelador do apreço que Dorrit Harazim tempela fotografia. De- pois de 38 textos há um posfá- cio (“Relembranças”) que expli- ca essa paixão como decorrente de sua estreia na cobertura de guerra, no Vietnã, quando além dos textos fez também as fotos que ganharam destaque na Ve- ja , enchendo de orgulho a jovem repórter da revista. O livro conta histórias de fo- tografias marcantes. Como Dor- rit diz logo na introdução, não é um livro de crítica e nem de fo- tos, mas de “histórias por trás das imagens” ou seu “lado aves- so”. A seleção é idiossincráti- ca, não segue ordens, mas um critério pessoal, que em cine- ma se chamaria “montagem”. O Dorrit Harazim elege a fotografia como tema de seu livro de estreia leitor também pode testar sua própria receita, remontando a ordem dos textos à moda de um livro de Cortázar. E vai concluir que qualquer entrada ou saída funciona. O que garante a homogenei- dade é a capacidade da auto- ra de narrar em texto elegan- te uma riqueza impressionan- te de informações sobre como foram produzidas as imagens, sobre seus autores, sobre deta- lhes presentes nos fotogramas que saltaram aos olhos da auto- ra e ela não deixa de nos alertar. As descrições de Dorrit des- pertam tanto apetite pelas ima- gens descritas que uma reação de frustração pode surgir naque- les textos que se referem a vá- rias fotografias, como nos per- fis de René Burri e Lee Miller, por exemplo, enquanto o proje- to gráfico do livro só contempla uma ou duas imagens nas aber- turas dos capítulos. De qualquer forma, o leitor também pode consultar a internet à medida que avança a leitura: às vezes em que eu o fiz, a referência no texto foi suficiente para encon- trar a foto ausente. De todos os fotógrafos elei- tos pela autora para formar seu livro, dois outsiders têm maior destaque (dois capítulos cada um): Gordon Parks, o grande fo- tógrafo que foi o primeiro negro a entrar para o time da Life , e Vi- vian Maier, a babá anônima que acumulou uma obra espetacular como qualidade gráfica e crôni- ca de seu tempo, sem nunca pu- blicar nada em vida. Os fotógrafos destacados nos 38 capítulos formam um pan- teão da fotografia, desde a Guer- ra Civil americana até a presi- dência de Barack Obama. Tem de desconhecidos, como Ro- bert Wiles, do primeiro capítu- lo, a famosíssimos, como Sebas- tião Salgado; os jovens sul-afri- canos que fotografaram o oca- so do apartheid, nos anos 1990, e os americanos que mostraram a segregação racial nos Estados Unidos, nos anos 1960; há o horror dos conflitos e a “beleza da guerra”. Uma boa parte da história da fotografia está em O Instante Certo , mas o leitor não espere algo enciclopédico: é um livro de uma autora que conta boas histórias. Vários textos destacam a for- ça de imagens que se tornaram cápsulas do tempo que repre- sentam. A escolha das fotos de abertura dos capítulos é exem- plar dessa potência: são ima- gens que você já viu ou que, de- pois de um primeiro olhar, vão possuir sua memória. O que as torna tão devoradoras é a per- gunta que estudiosos da iconolo- gia não se cansam de pesquisar. Dorrit foi tomada pela fo- tografia no Vietnã, ao convi- ver com alguns personagens da elite do jornalismo mundial, do texto mas principalmente da fotografia. ■ EDDIE ADAMS/AP PHOTO REPRODUÇÃO O Instante Certo Dorrit Harazim Companhia das Letras, 2016 384 páginas Eddie Adams ganhou o Pulitzer em 69 com a foto da execução de um vietcong em Saigon, em 1º/2/1968

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