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64 OUTUBRO | NOVEMBRO | DEZEMBRO 2016 CREDENCIAL CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA Quantos Robertos? Numa bela biografia, Carlos Maranhão descortina as muitas facetas do fundador, dono e editor da Veja em orlando , VirginiaWoolf estabele- ceu para os biógrafos uma meta inal- cançável ao definir, na magistral tra- dução de Cecília Meirelles, que “já se considera uma biografia completa aquelaque simplesmente enumera seis ou sete eus, embora uma pessoa possa ter muitos milhares”. “Pois se há (...) 76 tempos diferentes, todos pulsando simultaneamente na cabeça, quantas pessoas diferentes não haverá (...), todasmorandonumtempo ou noutro, no espírito humano?”, per- guntava-se Woolf. Ainda mais em personagens frene- ticamente produtivos e energéticos. O jornalista Carlos Maranhão aceitou o desafio de escrever a vida de uma pes- soa assim, RobertoCivita, e conseguiu ultrapassar a barreira das “seis ou sete” vidas suficientes para considerar seu trabalho completo. Roberto Civita: O Dono da Banca (CompanhiadasLetras, 2016, 568pági- nas) tem estilo jornalístico e fluência impecáveis e rigor de pesquisa quase acadêmico. Lastreado emfontes segu- ras emuitas entrevistas,Maranhãoofe- rece ao leitor o retrato multifacetado dessa figura fundamental da imprensa brasileira do século20, commuitas das contradições que o caracterizaram. Dos “eus” deCivita, sobressaiu sem- pre, e Maranhão deixa claro, o do edi- tor, e especialmenteodoeditor de Veja , “suasupremapaixãoesua razãodeser” durante45anosecercade2.300edições. Veja ocupa um bom espaço de uma das partes da biografia, a intitulada “A Árvore Frutificada”, que cobre os anos de 1965 a 2013, os mais produti- vos e importantes da vida de Civita. É aí que tambémaparecemoutras vidas do biografado. Por exemplo, o do filho que se opu- nha aos planos do pai, Victor, como o lançamento dos célebres fascículos culturais da Abril. O pai achava que os livros não eram para ser lidos, mas “para dar status, exibiremna estante”. Roberto, não. “Queria que pudessem ser lidos por qualquer leitor.” E cole- ções como Conhecer, Gênios daPintura, Os Pensadores, Os Cientistas, Gran- des Compositores das Música Univer- sal foram a porta de entrada para o universo da cultura de centenas de milhares de brasileiros. Nadamal para quem, na fase final da vida, foi vítima, no ambiente de secta- rismo ideológico emque opaísmergu- lhou, comogrande inimigodospobres e dos trabalhadores.Claro,Civitaera“um defensor do capitalismo (...), da demo- cracia representativa, do livrecomércio edo liberalismoeconômico” e “comba- tia a presença doEstadona economia e na vida dos cidadãos, a burocracia, os excessos na regulamentação, qualquer tipo de censura, regimes autoritários, o socialismo, o comunismo, a esquerda e o Partido dos Trabalhadores”. Mas, eestaéoutra facetadapersona- lidade de Civita que aparece com cla- rezano livro, eleevitavaconfrontos, res- peitava os que nãopensavamcomo ele, enuncadeixoudedar oportunidadede trabalho e posiçãode comando a quem tinha talento profissional embora com convicções opostas às suas. Emmomentoscruciaisdavidanacio- nal durante a ditadura, as revistas Veja e Realidade foramporta-vozes da resis- tência democrática e a Editora Abril pagou seu preço por isso. Nocapítulo intitulado“AÁrvoreGer- minada”, que vai de 1950 a 1962,Mara- nhão revela alguns fatos pouco conhe- cidos da história da Abril, como o de que a primeira publicação do grupo não foi, conforme diz a versão oficial, o PatoDonald , mas sima talvezmenos nobre Raio Vermelho . Este e outros desmentidos de rela- tos da Abril (como a origem do nome da revista Claudia ) são curiosos, mas não ficam muito claras as razões que originaram os mitos. Outros Civitas, como oworkaholic, o obcecado em sempre ser o número um, o católico culturalmente judeu, o amante de bons vinhos e boa culiná- ria, o vaidoso preocupado com a cal- vície, e com a barriga, também emer- gem do livro. Como é impossível dar conta de todas as pessoas diferentes que habi- tamuma só (“alguns dizemque 2.052”, lembraWoolf ), várias das que viviam em Civita ficaram de fora ou foram abordadas de relance, como a do cria- dor do curso de pós em jornalismo, abrigado na ESPM entre 2011 e 2013. Um dos grandes sonhos de Civita era ter noBrasil uma instituição de ensino de jornalismo similar à da Colum- bia University. Era esse seu objetivo final com o curso de pós que esta- beleceu com a ESPM. Infelizmente, não chegou lá. ■ carlos eduardo lins da silva é livre- docente, doutor e mestre em comunicação; foi diretor-adjunto da Folha e do Valor .

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