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8 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 9 TUDO EM DIA carlos eduardo lins da silva Tigre de papel combate inimigos do povo 0s primeiros meses de donald trump no poder foram tão inexpressivos em termos de realizações que levantam a possibilidade de que o apresentador de reality show seja, na realidade real, ummero “tigre de papel”. A expressão, atribuída a Mao Tse-tung, que a usava em arengas retóricas contra os Estados Unidos meio século atrás, significa alguémou alguma coisa que parece extremamente ameaçador, mas de fato é incapaz de vencer desafios. Nenhuma das extravagantes promessas de campanha de Trump progrediu no seu início de governo. Ao con- trário, derrotas se sucederam, ou por inépcia própria, ou de sua equipe de neófitos arrogantes, ou por ação de instituições da democracia americana. Ainda é cedo para descartar a possibilidade de Trump produzir mal ao mundo, pois, afinal, não é pequeno o arsenal simbólico, bélico, financeiro e político de que dispõe o ocupante da Casa Branca. Mas as indicações são de que Trump está e continuará sendo contido em seus piores intentos ou por imposição dos fatos, ou por cálculo político, ou por pressão interna das vozes mais sensatas em seu círculo íntimo, ou pela resistência social. Entre as muitas explosivas políticas públicas do seu ideário para a administração ainda mantidas, está a de introduzir legislação para tornar mais fácil, rápida e severa a punição de jornalistas por supostos crimes de informação ou opinião. Trump ganhou muitos votos entre o eleitorado mais conservador com sua retórica de ostensiva hostilidade contra veículos jornalísticos de melhor tradição do país, em geral seguidores de linha editorial de centro- -esquerda ou “liberal”. Uma vez presidente, declarou guerra aberta à imprensa, que passou a chamar de “inimiga do povo”. Ele possivel- mente desconhece o fato de que a expressão é o título BEBETO MATTHEWS/ASSOCIATED PRESS Números fortes de uma famosa peça teatral de Henrik Ibsen, de 1882. No teatro, o “inimigo do povo” é ummédico, dr. Tho- mas Stockmann, que descobre seriíssimos problemas no sistema de drenagem da cidade onde reside, um famoso balneário, capazes de colocar em grave risco a saúde dos habitantes e turistas. Seu irmão, o prefeito, não gosta das conclusões do médico, porque prejudicariam seu orçamento e proje- tos políticos, e tenta convencê-lo a não dar divulgação a seus achados. Não consegue, e passa a persegui-lo (auxi- liado por jornalistas que alicia) com a alcunha que agora Trump usa contra a imprensa. O epíteto também foi intensamente utilizado por Sta- lin contra seus adversários nas lutas pelo poder na União Soviética. A associação histórica e literária desse jargão em geral é benévola em relação aos acusados e nefasta aos acusadores que se valem dele. Há indícios de que o padrão semantémagora. Dois dos principais alvos de Trump, o diário The New York Times e a rede de TV CNN, registraram grandes avanços nos negócios nos cem dias iniciais do governo de seu algoz. O Times ganhou 308 mil novos assinantes no período e rompeu a barreira dos 3 milhões. A CNN teve um ganho de audiência de 21% entre janeiro e março e alcançou seus maiores índices em 14 anos, além de aumentar em 6% o seu faturamento. Enquanto isso, o porta-voz oficioso de Trump, o âncora Bill O’Reilly, da Fox News, viu ruir o seu prestígio, ao ser mandado embora após ser acusado de sucessivos episó- dios de assédio sexual. Trump fez o que pôde para defender o amigo e impedir sua demissão, mas motivos superiores e provavelmente pouco nobres levaram a família Murdoch, dona da TV, a acabar com a carreira de seu maior astro (veja acima) . Ao menos por enquanto, a guerra contra o jornalismo é mais uma frustração para Trump. ■ AFAMÍLIAMURDOCHnãoperdoouBill O’Reilly, o maior responsável pela po- pularidadedaFoxNewsentreopúblico de direita, com seu estilo conservador raivoso e agressivo. De início, muitos acreditaramque os Murdoch haviam aquiescido aos pro- testos de mulheres e setores progres- sistasdasociedadecontraamanutenção de um molestador sexual em posição de destaque. Logoficouclaroqueas razõespodem ter sido bem diversas de uma possível crise de consciência. Apolícia federal americana está am- pliando as investigações da Fox News por indícios crescentes de que a emis- sora era uma espécie de fábrica de as- sédios em série. O ex-CEO Roger Ailes é alvo de muitas acusações do gênero e há outros suspeitos. ManterO’Reilly causariaàFoxprejuí- zosdeimagememateriais,compossíveis multas e indenizações milionárias. ■ O’Reilly pode ter caído para amenizar risco O ESCÂNDALO COM O’REILLY ocorreu quando os Murdoch estavam prestes a fechar um dos maiores negócios da história de seu império de mídia: a compra de 22%das ações da Sky, para ficaremcom61%do controle damaior rede de TV paga do Reino Unido. Emabril, as autoridades regulatórias europeias aprovaram o negócio. Mas, emmaio, uma das dezenas de mulhe- res que acusamdirigentes e jornalistas da Fox News americana de assédio procurou a Ofcom, o órgão britânico regulador dos negócios de comunica- ção, para denunciar a empresa. A Ofcom aceitou o caso e vai decidir se James Murdoch, filho do patriarca do clã, Rupert, e atual presidente da empresa, tem suficiente idoneidade moral paradeterocontrole total daSky. Não demitir O’Reilly seria prova- velmente muito danoso para a possibilidade de o governo aprovar a transação. ■ Meganegócio britânico ajudou a derrubar âncora “OS AMIGOS DO POVO” De nada adiantou o apoio do presidente Trump a Bill O’Reilly, que acabou demitido da Fox sob acusação de assédio sexual R$ 48 bilhões é quanto a Fox pretende pagar para ter o controle da rede de TV paga Sky no Reino Unido R$ 40 milhões é quanto a Fox News alegadamente pagou às acusadoras de Bill O’Reilly para não fazerem acusações criminais contra ele 9% dos tweets de Donald Trump foram retuitados por mais de 50 mil pessoas em média por dia após seu 50º dia na Presidência 60% dos tweets de Trump eram retuitados em média por mais de 50 mil pessoas até seu 50º dia na Presidência 58% dos domicílios brasileiros têm pelo menos um aparelho de smartphone em uso 112 milhões é o número de usuários de Facebook no Brasil 6% é quanto os brasileiros representam na base total de usuários do Facebook Fontes: Ofcom, The New York Times , Associated Press, IBGE e Meio&Mensagem

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