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10 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 11 o poder judiciário tem sido, ao menos nas suas instâncias inferio- res, o maior censor no Brasil desde o fim do regime militar. Por isso, sem- pre deve ser saudado com aplausos quando ele parte em defesa da liber- dade de expressão, como ocorreu já duas vezes este ano. Aplausos tam- bém devem ser dados quando surge um novo veículo jornalístico, como aconteceu em maio, numa época em que tantos estão fechando. “Cala a boca já morreu” de novo A presidente do Supremo Tribunal Federal edoConselhoNacional deJus- tiça, Cármen Lúcia, anunciou a cria- ção de uma comissão para investigar possíveis obstáculos ao exercício livre do jornalismo no Brasil. “Quero apu- rar isso para ver quais são os pro- blemas gerados, já que temos uma Constituição Federal que asse- gura tão amplamente a liberdade de imprensa, com um texto que não exige grande elucubração para ser interpretado”, disse. Ela já havia demonstrado seu apreço pela liberdade de expres- são em 2015, quando votou no STF pela impossibilidade de biografias serem previamente censuradas por qualquer indivíduo ou autoridade e encerrou sua fala com a frase “Cala a boca já morreu, quem disse foi a Constituição”. Blog também é jornalismo livre Nem tão conhecido por empenho pela causa da liberdade de expressão, o ministro Dias Toffoli resolveu em decisão liminar que a Justiça não pode determinar a retirada do ar de blogs e sites sob pena de impedir a atividade jornalística. Ele suspendeu provisoriamente determinação de tribunal do Mato GrossodoSul quehavia retiradodoaro “BlogdoNélio”, deNélioRaulBrandão. “Toda a lógica constitucional da liberdade de expressão e da liberdade de comunicação social aplica-se aos chamados ‘blogs jornalísticos’ ou ‘jor- nalismo digital’, o que resulta namais absoluta vedação da atuação estatal no sentido de cercear ou, no caso, de impedir a atividade desempenhada pelo reclamante”, afirmou Toffoli. Quatro Cinco Um por livros Desdeo legendário LeiaLivros , oBrasil carecia de um título dedicado apenas ao universo editorial, na linhagem da New York Review of Books . Em maio, Paulo Werneck e Fernanda Diamant preencheram a lacuna com o lança- mento do Quatro Cinco Um . O nome faz referência ao romance Fahrenheit 451 , de Ray Bradbury (Biblioteca Azul, 2012), sobre uma sociedade em que os livros são proibidos. ■ MÁ CONSCIÊNCIA? enquantofacebookegoogle tentam controlar danos à sua imagemcomini- ciativas tardias e até agora pouco efica- zes para conter adisseminaçãode fatos falsos em suas redes, outra gigante da internet, o eBay, procura seu nicho de responsabilidade social no combate ao discurso de ódio. Seu fundador, Pierre Omidyar, anunciou a doação de 100 milhões de dólares para apoiar empreendi- mentos de jornalismo investigativo para contra-atacar conteúdos que pre- guem racismo e outras ameaças aos direitos humanos. O Vale do Silício, que parecia ter surgido como uma nova forma de capitalismo, voltado para a livre cir- culação de informações, para dar voz e direito de opinião aos que nunca os haviam tido e aparentemente tudo isso semcobrar nada dos consumido- res, atravessa na segunda década do século 21 uma séria crise de reputa- ção, da qual seus líderes só mostram se ter dado conta agora. Omidyar, que tem 49 anos e cultiva perfil públicomuito discreto emcom- paração àmaioria de seus colegas, não apareceupara explicar seuatode filan- tropia. Ele foi um dos produtores do filme Spotlight, s obre repórteres inves- tigativos do Boston Globe . Entre os beneficiários iniciais do programa estão o International Con- sortium of Investigative Journalists (ICIJ), que no ano passado revelou os Papéis do Panamá, com provas de inúmeras ações de corrupção internacional, e a Latin Ameri- can Alliance for Civic Technology, que promove engajamento cívico e controle de ações governamentais no subcontinente. ■ UMA FRASE “Bill é uma boa pessoa. Eu não acho que Bill possa ter feito qualquer coisa errada. Pessoalmente, acho que ele não devia ter feito o acordo. Deveria ter ficado firme até o fim” DIVULGAÇÃO/JASONSMITH Dono do eBay lança projeto contra discurso de ódio Colunista cético quanto à mudança climática provoca fúria carlos eduardo lins da silva é livre-docente, doutor e mestre em comunicação; foi diretor-adjunto da Folha e do Valor . ACENO À DIREITA nacontramãodaoposição aDonald Trump, que lhe está rendendo milha- res de assinantes, o New York Times contratou um colunista destoante e sofreuummotimentre antigos leitores. Bret Stephens, 43, era uma das estrelas do Wall Street Journal , jor- nal da família Murdoch e tradicional bastião da direita americana. Ali, ele se destacava por fazer críticas feri- nas a Trump e elogios aos céticos da mudança climática. Poucos temas dividemtanto a socie- dadeamericanaquantooaquecimento global. Ocombate aos efei- tos dos gases estufa foi uma das bandeiras de Obama e sua abolição é um dos estandartes de Trump. O Times sempre se ali- nhou com a convicção de que as mudanças climáti- cas são causadas por ação humanaecolocamemrisco o futurodoplaneta. Trump eos céticos achamtudo isso bobagem de idealistas. A estreia de Stephens não deixou barato para os tradicionais admirado- res do jornal. Embora sem o radica- lismo de seu tempo de Journal , atacou o que considera ser excesso de cien- tificismo, que resulta em alarmismos desnecessários. A reação foi imediata e feroz: as mensagens de protesto entupiram o correio eletrônico do diário, milha- res cancelaram assinatura e a ombu- dsman se desdobrou para tentar arre- fecer a fúria do leitorado. A estratégia do Times pode ter o objetivo de não se deixar sufocar na bolha liberal que muitos apontam como uma das causas do fracasso da imprensa em identificar a pos- sibilidade de vitória de Trump na eleição de 2016. ■ Justiça defende liberdade e surge novo jornal BOAS-NOVAS NO BRASIL UMA ANTIGA MÁXIMA do jornalismo dizqueéimpossívelfecharumaedição ouescrevermanchetesemassembleias de redação. Que dirá coma participa- ção de grande número de pessoas de fora do jornal. Experiências nesse sentido ficaram famosas pelo fracasso retumbante, comoquandoo LosAngeles Times ten- tou produzir um editorial com a par- ticipação de centenas de leitores. Agora, Jimmy Wales, 50, criador da Wikipedia, vai tentar fazer jornalismo nas bases da sua agora relativamente consagrada, mas por muito tempo contestada,enciclopédia.Asintenções parecem ser as melhores. Wales diz que vai combinar o espírito de comu- nidade anônima daWikipedia comos cânones do jornalismo. Osrecursoshumanospróprios,como no seu empreendimento anterior, se- rãoescassos: de inícioapenas dez jor- nalistas na redação e um exército de voluntários. AWikitribunequerprovar que é possível fazer bom jornalismo demaneira economicamente susten- tável coma utilização das tecnologias existentes e da boa vontade das pes- soas, apesar doclimadeacirradocon- fronto ideológico. Ao contrário daWikipedia, aWikitri- bunevaidarpoderaexperts,queterão a palavra final quanto ao que será co- locadonoar,muitoaomodotradicional docentralismodemocráticoque sem- pre imperou nas redações. ■ Redação coletiva WIKIJORNALISMO (Donald Trump em 5 de abril de 2017, no Salão Oval da Casa Branca, ao comentar o acordo pelo qual a Fox News pagou 13 milhões de dólares para finalizar acusações criminais de assédio sexual contra seu âncora Bill O’Reilly) O eBay doa US$ 100 milhões em apoio ao jornalismo investigativo pró-direitos humanos DIVULGAÇÃO O colunista Bret Stephens é voz dissonante no Times

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