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12 JANEIRO | JUNHO 2017 REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 13 DIRETO DE COLUMBIA por michael schudson jornalistas literalmente “fabri- cam” notícias. Não achama notícia por aí. Não publicam uma transcrição da realidade. Por mais que se esforcem, não dão uma cópia da realidade –mas a realidade emoldurada, a realidade realçada, a realidade reconfigurada por ser exposta em uma página ou tela, a realidade retocada pela magia da publicação em si. Venha de uma molecada da Mace- dônia querendo ganhar umtrocooude gente de extrema direita que vê cons- piração emtudo e quer causar tumulto, a “notícia falsa” virouparte do vocabu- láriopolíticodehoje. Édificílimodizer atéquepontoo fenômenodas fake news influenciou a eleição presidencial nos Estados Unidos em 2016, mas que a ideia em si causou impacto é patente. Oatual presidente americano, Donald Trump, gosta de aparecer na mídia (como seus antecessores), mas emseu caso a tática normalmente é fazer pro- nunciamentos inconsequentes e sem nenhum fundamento. Toda vez que um presidente ame- ricano abre a boca, no mundo todo muita gente presta atenção. Se des- pacha soldados para uma batalha, até muitos americanos que não veemsen- tido em guerras vão mostrar patrio- tismo. Se tiver um pólipo maligno removido do cólon (como Ronald Reagan), milhares de pessoas nos dias seguintes vão agendar uma colo- noscopia. Se um mandatário pode involuntariamente levar os outros a se submeterem a uma colonosco- pia, o que mais pode fazer com seus atos ou palavras? Quando um presi- dente declara que a grande imprensa é “inimiga do povo americano”, o que ficaria inclinado a pensar um cida- dão normalmente ajuizado? Realidade em primeiro lugar A função do jornalista é fabricar notí- cias, assimcomo a função do pedreiro é construir casas. Os dois ofícios têm regras. A primeira regra para o jorna- lista comprometido com o trabalho é colocar a realidade emprimeiro lugar. Um jornalista responsável não pro- duz notícias falsas, nem notícias exa- geradas ou notícias corrompidas. Não subordina o relatohonesto à coerência ideológica ou ao ativismo político. Não tenta agradar anunciantes ou se ajus- tar aos interesses comerciais do veí- culo – nemàs preferências do público. Noúltimo século, a tendência domi- nante na história do jornalismo ame- ricano foi a profissionalização de uma equipe de repórteres que apura notí- cias. O jornalismo é anterior à reporta- gem, mas da década de 1820 emdiante a reportagem passou a ser o centro do jornalismo americano. Na Europa não era assim; alguém observou que, lá, “a reportagem [estava ] matando o jornalismo” – ou seja, o relato direto dos acontecimentos do dia estava rou- bando o foco dos ensaios discursivos sobre teoria, filosofia e em defesa de bandeiras políticas que dominavam grande parte da imprensa europeia. Como saber se uma notícia é falsa? Dificuldades econômicas podem levar organizações ao vale-tudo na luta por cliques, mas a boa reportagem segue regras LAURA LANNES Foi só no século 20 que essa imprensa começou a se valer de técnicas jor- nalísticas americanas, como a entre- vista, e de normas do jornalismo ame- ricano que punham a reportagem em primeiro lugar. Mas será que o modelo americano de jornalismo não nega a verdade de que os supostos “fatos” não passamde opiniões disfarçadas? De que tudo é relativo e só depende de seu ponto de partida? Na primeira aula de filosofia da faculdade, a maioria dos calouros já vai dizendo que “tudo é relativo” e que o que o outro diz “não passa de opinião!” – que não há pesquisa, argumento ou discussão capazes de alterar nossas pré-concepções. É por isso que são chamados de calouros. Se pararmos para pensar, nenhumdesses estudantes realmente crê que tudo é relativo. Se, nomeio da aula, um aluno desses sentir uma dor forte e aguda no peito, ele vai ficar preocupado. Suas opções serão per- guntar ao professor de filosofia o que fazer, ouvir o conselho do aluno na carteira ao lado ou pedir a outra pes- soa que chame o serviço médico de urgência. Qual vai escolher: A, B ou C? C. Vai buscar atendimentomédico. A realidade parece estar batendo insistentemente à porta, e o compro- misso prematuro com a tese univer- sal de que “tudo é relativo” é rapida- mente abandonado. Em questão de segundos, o aluno acredita em fatos, no conhecimento especializado, na formação científica, na experiência clínica. Seja relativista, modernista ou pós-modernista, de esquerda ou de direita, esse aluno vai buscar um médico o mais rápido possível. Apuradores com reputação Quando queremos saber o que está acontecendo no mundo nesse ou naquele dia, não ligamos para o 192. Recorremos a apuradores profissio- nais de notícias que têm reputação de serem confiáveis. Mas como saber que provedores de notícias a nossa volta merecem confiança? Considere a seguinte lista de indicadores de qualidade probatória: 1. Disposição de retratar-se, corrigir e implícita ou explicitamente pedir desculpas por informações equi- vocadas. O repórter da Time que erroneamente afirmou que o pre- sidente Trump ou seus assessores tinham retirado o busto de Mar- tin Luther King Jr. do Salão Oval da Casa Branca se retratou e corrigiu a matéria em questão de horas. É isso que fazemjornalistas emeios de comu- nicação responsáveis. 2. Ética profissional, o que inclui: - Ser exato. Grafe o nome correta- mente. Dê o endereço certo. Não há espaço para “tudo é relativo” aqui. E redija um texto que conta o que acon t eceu, não o que você acha sobre o que aconteceu. - Buscar evidências em contrário.

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