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14 JANEIRO | JUNHO 2017 O jornalismo produz um primeiro rascunho da história, não a última palavra sobre os acontecimentos Na apuração, “vá contra suas pró- prias suposições”, dizem meus cole- gas da Columbia Journalism School aos alunos. - Seguir em frente independentemente das consequências políticas. Se for um repórter, e não um propagandista, você seguirá a pista vislumbrada ainda que possa prejudicar a carreira do can- didato ou do partido que você (pes- soalmente) prefere ou que seu jor- nal apoia. O New York Times apoiou várias vezes a candidatura de Eliot Spitzer a um cargo eletivo em Nova York, incluindo sua campanha para governador em 2006. Mas foi o jor- nal quem primeiro expôs o escândalo sexual que levou Spitzer, já governa- dor, a renunciar [o político foi denun- ciado por usar os serviços de uma rede de prostituição] . O verdadeiro repór- ter põe uma notícia veraz acima de vantagens partidárias ou de preferên- cias políticas, seja qual for o preço. 3. Jornalistas confiáveis tambémado- tamcertos recursos literários identifi- cáveis, como os seguintes: - Exibir calma e ser declarativo. Nada de histeria. - Apresentar vários lados ou pontos de vista em uma matéria caso o assunto seja controverso e (diferentemente do “falso equilíbrio”) se os distintos lados tiverem valores diferentes mas não forem divididos pelo reconheci- mento de uma evidência científica con- sensual e pela sua rejeição. - Identificar suas fontes sempre que possível. E reconhecer as lacunas, incongruências ou insuficiências nos dados que fundamentam sua matéria. - Usar dados e fontes de dados comu- mente aceitos e autoridades fiáveis. Se for escrever sobre o número de pes- soas que usaramometrô emWashing- ton no dia da posse de Barack Obama em 2009 e no dia da posse de Donald Trump em 2017 para saber qual foi maior, pergunte ao órgão de trânsito local, que possui essa informação. Se preferir ficar com a palavra do pre- sidente Trump, saiba que você não é jornalista, mas otário. Trump demons- tra reiteradamente que aceita dados favoráveis a ele e se nega a reconhecer todos os que não são. Vaidade pes- soal não é uma fonte de dados comu- mente aceita. - Investigar evidências e pistas que vão contra seu palpite, suas paixões e suas preferências e, quando essa evi- dência for irrefutável, dê a ela espaço adequado em sua matéria. O trabalho profissional de repor- tagem não é fácil. É uma atividade ainda jovem – não se pode dizer que exista em sua forma mais plena há muito mais de um século. Não é uma trajetória longa. Mas, em seus melho- resmomentos, provou ser umpilar de governos democráticos e transparen- tes e uma pedra no sapato de autocra- tas mundo afora. A fragilidade econô- mica dos meios de comunicação hoje é preocupante e, às vezes, leva orga- nizações jornalísticas respeitadas a preferir cliques a consciência – mas jornalistas podemmanter (e emgeral o fazem) uma feroz lealdade a seus grandes ideais, e essa é uma força da qual seus inimigos não podem esca- par. Quando o presidente Trump cha- mou a grande imprensa de “inimiga do povo”, muitos jornalistas reagi- ram com um esforço redobrado para cobrá-lo por suas palavras e seus atos. O jornalismo profissional em geral aprende rápido. É um “primeiro ras- cunho” da história, não a última pala- vra. Mas é o inimigo do orgulho, da pompa e da ignorância, e, portanto, um bom amigo do povo. ■ michael schudson é professor de jornalismo e sociologia (docente associado) na Columbia University. Publicou, entre outros livros, The Rise of the Right to Know (A Escalada do Direito ao Conhecimento) e, com C.W. Anderson e Leonard Downie Jr., The News Media: What Everyone Needs to Know (A Imprensa: O Que Todos Precisam Saber).

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