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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 21 20 JANEIRO | JUNHO 2017 É esse estado de coisas que pro- duz um ambiente saudável e positivo em termos de comunicação pública. Registre-se que a observação data do início da década de 1830. Há, por certo, uma longa tradição seguindo o que estamos denominando de argu- mento pluralista. A consideração de Tocqueville cap- tura um traço da formação ameri- cana. Um dado de realidade, mas também um valor. Ele está presente no argumento de James Madison sobre o tema do facciosismo na vida republicana, apresentado na obra O Federalista (nº 10). Madison pre- ocupava-se com o perigo de que o espaço público, em particular nas centenas de comunidades de médio e pequeno porte que integravam as jovens colônias americanas, fosse objeto de “captura” por parte desta ou daquela facção política. Preocupação análoga encontramos no universo da comunicação. Tal como o espaço público democrático, ela se encontra permanentemente sob risco de captura. Em boa medida, é disso que trata esse trabalho. O risco de que uma opinião cronicamente parcial ou “facciosa” se torne hege- mônica, pelo exercício do poder eco- nômico ou político, pelo monopólio privado ou público. Madison observa que há duas for- mas de lidar com o facciosismo: eli- miná-lo ou controlar seus efeitos. A primeira alternativa deve ser descar- tada, uma vez que implicaria a elimi- nação da própria liberdade de opi- nião. A segunda alternativa é a única desejável. Para efetivá-la, apela ao método republicano dos check and balances , dos freios e contrapesos, assim como a um raciocínio muito próximo ao que chamamos de argu- mento pluralista. Ele diz que, com uma “maior diversidade de partidos e interesses”, é menos provável que algum deles, ou uma coalisão entre eles, invada os direitos dos demais cidadãos ( O Federalista , nº 10). Em outra passagem, Madison é ainda mais explícito, sugerindo que é “pela oposição de interesses opos- tos e rivais” que encontramos, na experiência humana, a melhor estra- tégia para conter os “defeitos pre- sentes nos melhores propósitos”. A liberdade é mais bem protegida com base em uma dada configuração do mercado, em sentido amplo – o mer- cado de ideias, meios de expressão e modos de exercício do poder –, do que pela ação de uma certa organização ou agência, mesmo quando movida pela mais generosa das intenções. Sem tutela O argumento pluralista expressa uma tradição do pensamento moderno, particularmente presente no mundo anglo-saxônico, que aposta na ideia de dispersão do poder, autonomia e equilíbrio dos “contrários” como a via mais segura para a garantia da liber- dade. Em Sobre a Liberdade , John Stu- art Mill defendeu essa ideia, quando advogou simultaneamente a garantia do acesso à educação pública e a com- pleta retirada do Estado da gestão da educação (Mill, 1991, p. 149). A mul- tiformidade da oferta de ensino, sem uma visão dominante e sema tutela do Estado, seria amelhor garantia da pre- servação da individualidade e do plu- ralismo de ideias. Mill foi ainda mais adiante na sus- tentação disso que chamamos de via mente o poder” do Estado e sua influ- ência sobre as “esperanças e os temo- res” da sociedade. A observação de Tocqueville, assim como as teses de Madison e Mill, exemplificam a via pluralista. Dire- mos que ela tem algo a acrescentar ao debate contemporâneo sobre a liberdade de expressão. De ummodo mais direto, afirmaremos que ela ganhou força e realidade a partir do processo vertiginoso de crescimento e fragmentação dos meios de infor- mação, dados pela revolução tecno- lógica nos dias atuais. Trata-se de um debate que tem, de certa maneira, colocado em questão o papel e a pertinência do modelo de financiamento da BBC. Simon Jenkins ( The Guardian , BBC), ex-editor da revista Times e atual presidente do National Trust britânico, abertamente questiona o status da emissora estatal em uma época de revolução tecnoló- gica, na qual “navegamos em dúzias de canais digitais da BBC e não con- seguimos saber o que os distingue de outros canais comerciais”. Jenkins projeta um futuro em que o governo interfira de modo muito limitado na oferta de informação, apenas e tão- -somente em áreas claramente não providas pelo mercado. “Sem palá- cios, sem licences fee e certamente sem 23 mil funcionários” 8 . A visão do jornalista aproxima-se do argumento pluralista, ao dizer que a garantia de uma imprensa livre não é algum órgão regulador ou conselho, mas sim“a imprensa livre delamesma. Pluralidade, competição, transparên- cia, exposição e por vezes alguma fúria são seus melhores guardiões”. Posição distinta é a defendida pelo experiente economista Martin Wolf. Emartigo recente no Financial Times , Wolf fezuma candentedefesa dopapel da BBC como emissora pública. Ele apresenta a lógica inversadoquedeno- minamos argumento pluralista. Ele diz que “se alguém desejar enten- der o que acontece se a mídia passa a compartimentar o país em guetos mentais, veja o que ocorreu nos Esta- dos Unidos desde o fim das redes e a rejeição da doutrina da equidade” 9 ( fairness doctrine ). Wolf sugere que, em uma realidade social mais complexa e heterogênea (podemos imaginar, commaior diver- sidade étnica e cultural), faz-se ainda mais necessária a existência de uma emissora como a BBC do que à época de sua criação, em 1922. O jornalista oferece um interessante argumento nessa direção, mencionando uma frase do senador americano Daniel Moynihan, segundo a qual “todos têm direito a suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. A tese é de quecaberiaaumaemissoracomoaBBC oferecer uma “base comum de fatos” ( common facts ) e uma arena compar- tilhada para o debate. 8 Artigo de Simon Jenkins, The Guardian : https://www.theguardian.com/commentisfree/2007/oct/19/comment.television 9 Artigo de Martin Wolf, Financial Times : http://www.ft.com/cms/s/0/2e21620c-7e2d-11e5-a1fe-567b37f80b64.html#axzz4KNARjVyA Pelo argumento pluralista, a comunicação se apresenta como um bem da sociedade civil e não do Estado O argumento, sob o ponto de vista do presente trabalho, é revelador. Talvez se confrontem, aqui, duas visões sobre o que constitui o plu- ralismo de opiniões. Na lógica do pensamento que apresentamos, os cidadãos têm, efetivamente, “direito a seus próprios fatos”. Indivíduos, profissionais de imprensa, bloguei- ros, radialistas, youtubers e histo- riadores podem apresentar versões infinitamente distintas da mesma sequência de fatos. Podem errar e acertar, pois é essa a matéria-prima da liberdade de expressão. Na lógica do argumento pluralista, aquilo queWolf chama de uma “base comum de fatos”, nada mais é do que uma seleção de elementos de reali- dade, ou a “narrativa” desses mes- mos elementos produzida por um editor, jornalista ou emissora, seja ela pública ou privada. Wolf parece desconsiderar problemas de agência, fazendo crer, como emparte também faz Bucci, que uma emissora pública – dado seu insulamento político e eco- nômico – pode representar “direta- mente” a sociedade. O paradoxo de Condorcet A ideia de uma representaçãodireta da sociedade nos remete ao debate sobre o tema do pluralismo ou da imparcia- lidade na oferta de informação. É per- feitamente razoável supor que, em uma sociedade pluralista, o cidadão contribuinte tenha o direito de exigir que a sua emissora pública atue com rigor e imparcialidade. Que eviteopro- selitismo político, ou inflexione sua pluralista, com base em uma refle- xãomuito simples: se o governo deve fazer algo em benefício dos indiví- duos, em vez de deixar que eles pró- prios o façam, “individualmente ou em associação voluntária” (idem, p. 152). A questão é bastante ampla. No plano da educação, por exemplo, o filósofo sugere que o governo subsidie, por meiodeuma espéciede voucher , a edu- cação dos mais pobres. No âmbito da imprensa e da comunicação, em sen- tido amplo, a resposta parece clara: ao Estado só é dado intervir “negati- vamente”, isto é, quando o exercício da liberdade de expressão estiver em perigo. Objetivamente em perigo. De umponto de vista “positivo”, isto é, no que diz respeito à produção da infor- mação e da opinião, o Estado, bem como qualquer uma de suas agências, deve se manter afastado. Mill reconhece haver casos em que os indivíduos, voluntariamente, pos- sam não desempenhar tão bem uma atividade quanto o governo (ou como suporte do governo), mas acrescenta: “é, entretanto, desejável que o façam, antes que o governo, para a sua edu- cação – ummodo de robustecer suas faculdades ativas, exercitar o seu dis- cernimento...” (ibidem). Ele compre- endia a liberdade como um modo de desenvolvimento e aprendizado cole- tivo, capaz de produzir laços de solida- riedade e espírito público. Sua ênfase recai sobre a “associação voluntária”. A provisão pública, afora inibir esse amplo processo de aprendizagem, tenderia a “aumentar desnecessaria-

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