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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 25 24 JANEIRO | JUNHO 2017 Outra atitude consiste na negação do problema. A ideia, semdúvida difí- cil de sustentar, de que a prioridade – para usar a expressão de Verissimo – é agir como “bom ser humano” e buscar aí alguma compatibilidade com a ideia de pluralidade. De um modo geral, essa parece ser a atitude adotada pela TV Brasil, em especial no âmbito de seu jornalismo polí- tico. Mesmo sendo evidente o ali- nhamento político de seus analistas e protagonistas de opinião, seu pre- sidente, em entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo , foi taxativo em negar qualquer critério dessa ordem, dizendo que (referindo-se às estrelas de seu jornalismo) “se tinham per- fil de esquerda ou de direita, pouco me interessa. Não peço ficha de filia- ção partidária para ninguém” 15 . Na definição dos “valores” da empresa, em seu portal, não consta a ideia de “pluralidade”, mas sim a noção de “diversidade” cultural. Nessa inter- pretação, a intenção de representar múltiplos pontos de vista parece se restringir a elementos de natureza étnica, estética ou de gênero, não se estendendo ao universo das ideias políticas, em amplo sentido. Seria ingênuo considerar, porém, que a linha editorial adotada por uma emissora pública (incluindo aí sua interpretação da ideia de “plu- ralidade”) dependa exclusivamente, ou mesmo principalmente, da visão adotada pelo governante eleito a cada mandato. Emissoras públicas funcio- nam como um tipo de burocracia, sujeitas àdisjunçãoprincipal-agente 16 . Burocracias públicas não são agentes neutros, individuais, autointeressa- dos; é possível identificar a comuni- cação pública como altamente vulne- rável ao problema da “captura pelos provedores” (providers capture ). Emissoras públicas são estrutu- ras burocráticas. No Brasil, funcio- nam ora como fundações de direito público, ora como autarquias. Em ambos os casos, constituem-se como organizações burocráticas tradicio- nais. Suas características traduzem- -se em centralização orçamentária, não competição, estrutura hierár- quica, regramentos públicos, garan- tindo impessoalidade e corpo estável de servidores. O poder dos burocratas Nessas condições, é razoável imaginar queocorpode funcionários, aqui envol- vendo jornalistas, redatores, programa- dores, editores e produtores, desem- penhe umpapel que vai alémdamera expressão dos interesses ou visão dos governantes de cada momento. Buro- cracias são formadas por agentesmaxi- mizadores (Tullock, 2006), gozando de relativa autonomia para a promo- ção de fins próprios. Devine especula que funcionários, nessas condições, podem não definir seu interesse em termos de ganho monetário, mas em razão de “mais status, um escritório maior,mando sobremais funcionários, menos trabalho ou outro tipo de bem ou vantagem” (Devine, 60). Tullock sugere uma medida mais objetiva de utilidade: o tamanho. Burocratas ten- dema considerar que suas chances de status, poder sobre recursos, pessoas e outras vantagens estão, emregra, asso- ciadas ao crescimento do próprio apa- rato burocrático (Tullock, 2006). É possível especular que funcioná- rios busquemmaximizar umconjunto mais amplo de fins, eventualmente associados a algum sentido de reali- zação pessoal, orgulho profissional ou atenção ao interesse público, ade- quadamente definido. Emuma emis- sora pública, é bastante razoável supor que aspectos relevantes de sua defi- nição editorial sejam objeto de “cap- tura” pelo corpo burocrático-funcio- nal. A possibilidade de “editar a opi- nião pública” e utilizar o espaço de comunicação pública para expressar ideias e pontos de vista pode ser em si mesmo entendido como um tipo de “bem” a ser maximizado. Emissoras públicas estão sujeitas a um duplo problema de agência. O primeiro, mais comum e usual- mente ressaltado, diz respeito à rela- ção entre governos e opinião pública. Devendo refletir os “interesses difu- sos” da sociedade, tendem a expres- sar pontos de vista próximos aos do governo, a cada momento. Uma boa legislação protetiva, assegurando autonomia funcional de uma autar- quia ou fundação pública, poderia, em tese, dar conta desse problema. O segundo problema diz respeito à relação entre governos e a própria organização burocrática. Se gover- 15 A ideia de “dar voz aos que não têm voz” eventualmente expressa uma noção do canal público como exercício de “contra-hegemonia” à “mídia dominante”. Caso seja esse o caso, estaríamos diante de um argumento próprio ao uso político por parte de qualquer governo e cairia por terra qualquer ideia de pluralidade como valor para a comunicação pública. 16 A lógica principal-agente segue aqui a clássica interpretação de Tullock, Buchanan e Niskanen no âmbito da teoria da escolha pública. nos não representamadequadamente o “interesse difuso”, quem o faria? O próprio corpo funcional? Conse- lhos de representantes da “sociedade civil”? Quem guardaria a chave que conduz uma emissora qualquer ao “ponto arquimediano”? Oargumento pluralista que apresen- tamos neste artigo oferece uma res- posta: ninguém. Há um problema de “impossibilidade”, associado ao argu- mento de Condorcet; há uma ques- tão de agência, amplamente docu- mentada na literatura da teoria da escolha pública, e há uma evidên- cia empírica, situada (1) no próprio modelo de regulação da comunica- ção pública, que busca vetar o pro- selitismo político, assim como (2) na experiência mesma de nossas emis- soras públicas, que parece revelar de modo bastante claro isso que chama- mos de “duplo problema de agência”. Tomemos dois exemplos típicos, extraídos da experiência recente da comunicação pública brasileira. Os casos buscam identificar o padrão de diversidade dos convidados dos pro- gramas Roda Viva , da TV Cultura, e Espaço Público , da TV Brasil 17 . Há pontos emcomumnos dois casos. Emambos, o jornalista âncora do pro- grama é lato sensu identificado com as posições políticas do governo con- trolador da emissora. Em ambos os casos há uma predominância de opi- nião associada ao governo controla- dor. Nesse âmbito, e tomados apenas esses dois casos, não se verifica um problema de agência na relação entre governo e emissora. O que pode ser considerado frustrante, considerando a expectativa de que a emissora seja a expressão dos interesses difusos. Diria: a expectativa “republicana”. A comparação entre ambos os pro- gramas mostra que há uma diferença de intensidade no viés de opinião. O Roda Viva apresenta um grau de diversidade ou pluralismo mais con- sistente do que o percebido no Espaço Público . São 70,87% dos convidados deste último que expressam posi- ções alinhadas ao governo federal. No caso do Roda Viva (então con- trolado por um governo de oposi- ção ao governo federal), o percentual de convidados com postura similar é de 30,15%. Apenas 1,94% dos con- vidados do programa Espaço Público apresentavam posturas de oposição manifesta ao governo federal, con- trolador do veículo. Isso pode indicar que a TV Cul- tura do Estado de São Paulo tenha uma estrutura institucional prote- tiva mais robusta do que a TV Bra- sil, ou que seu corpo dirigente e fun- cional tenha sido mais atento à ideia de expressar valores do pluralismo. Esse tema exigiria outra pesquisa, e não é nosso foco aqui. O ponto é Programas Roda Viva Espaço Público Emissora TV Cultura TV Brasil Mantenedor Governo do Estado de São Paulo Governo Federal Período de análise Entre 05/05/2014 e 23/05/2016 Entre 06/05/2014 e 24/05/2016 Governante Governador Geraldo Alckmin (PSDB) Presidente Dilma Rousseff (PT) Apresentador no período Augusto Nunes (revista Veja ) Paulo Moreira Leite (Brasil 247) Programas exibidos 126 103 Entrevistados com postura favorável ao governo federal 14 (11,11%) 73 (70,87%) Entrevistados com postura neutra ao governo federal 76 (60,31%) 28 (27,18%) Entrevistados com postura de oposição ao governo federal 38 (30,15%) 2 (1,941%) 17 A pesquisa refere-se a programas veiculados durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff. Foi utilizado como critério, na identificação de posturas favoráveis ou de oposição ao governo federal, a autodeclaração pública de cada convidado, conforme publicada pela imprensa. Pesquisa submetida a dupla checagem.

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