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REVISTA DE JORNALISMO ESPM | CJR 29 28 JANEIRO | JUNHO 2017 peitada consultoria americana Niel- sen, relativa aos padrões de consumo de mídia, nos Estados Unidos, mos- trou que a audiência tradicional de televisão (incluindo canais abertos ou por assinatura), entre o público mais jovem (18-24 anos) caiu 38%nos últi- mos cinco anos. Isso equivale a uma redução média de 10 horas/semana, nessa faixa etária 20 . A pesquisa mos- tra que houve de fato uma migração para outras modalidades de consumo de mídia. O dadomais relevante mos- tra que, pela primeira vez, o consumo de programação SVOD (subscrição de vídeo ondemand , oferecido por prove- dores como Netflix, Hulu Plus, Ama- zon Prime), em streaming , divide, à razão de 50%para cadamodalidade, a audiência dos lares americanos. Per- cebe-se aqui uma tendência. O con- sumo de imagem parece seguir cada vez menos a “grande curadoria”. Os indivíduos desejam escolher. Talvez seja tendencialmente inócuo apos- tar na ideia de uma emissora tradi- cional como estratégia de comuni- cação pública. Coerente com essa mesma ten- dência, pesquisa realizada pelo Pew Research Center em conjunto com a John S. and James L. Knight Foun- dation mostrou que, em apenas qua- tro anos, entre 2012 e 2016, cresceu de 49% para 62% o percentual de americanos adultos que declaram se informar por meio das redes sociais 21 . OFacebook é a fontemais importante, sendo utilizada por 44% da popula- ção adulta norte-americana para con- sumo de informação e notícias. Nova- mente, há uma tendência à fragmen- tação e ao consumo individualizado e “autoral”, isto é, pelo qual cada cida- dãoproduzoprópriopercurso. Sempre será possível imaginar que uma emis- sora pública poderá atuar tambémdas redes sociais, mas terá muita dificul- dade de fazer, ela mesma, a mediação do debate entre as pessoas. Ela terá de disputar a atenção dos cidadãos em um universo caótico e virtualmente infinito de fontes. No Brasil, verifica-se a mesma ten- dência. O número de assinantes de canais pagos registrou um cresci- mento superior a 500% entre 2000 e 2013. O país deu um salto de 3,5 milhões de assinaturas, em 2000, para mais de 18 milhões, em 2013 (Becker, Gambaro e Souza Filho, 2015). As cinco principais emisso- ras de TV aberta (Globo, Record, SBT, Bandeirantes e Rede TV) pas- saram de 39,3% para 28,2% de audi- ência. A tendência é a mesma: cres- cem as opções de acesso e dilui-se progressivamente o domínio deste ou daquele veículo sobre o mercado. Um dos elementos centrais na defi- 20 The audience report: Q1 2016” (Nielsen): http://www.nielsen.com/us/en/insights/reports/2016/the-total-audience-report-q1-2016.html 21 “News use across social media platforms 2016” (Pew Research Center): http://www.journalism.org/2016/05/26/news-use-across-social-media-platforms-2016/ 22 Verna, Paul. The Blogosphere — Colliding With Social And Mainstream Media, 2010. 23 Naim, Moisés. O Fim do Poder , (Leya, 2013). do poder. Por certo, trata-se da pers- pectiva de um mundo mais instável, ainda que mais “democrático”. Suas implicações são evidentes para a tese que apresentamos neste artigo. Uma forma de descrever o universo do “fim do poder”, na comunica- ção contemporânea, é recorrer ao conceito da cultura da convergência , que se tornou padrão nas definições do mundo-mídia com a chegada da internet e a progressiva integração de canais e redes de informação. Henry Jenkins, em seu Cultura da Conver- gência , descreve um mundo em for- mação. Ele escreve no centro do fura- cão de uma transformação qualitativa na comunicação. Vale a pena obser- var a definição de Jenkins: Convergênciarepresentaumamudançade paradigma –umdeslocamentode conte- údo de mídia específico emdireção a um conteúdo que flui por vários canais, em direção a uma elevada interdependência de sistemas de comunicação, a múltiplos modos de acesso a conteúdos demídia e a relações cada vezmais complexas entre a mídia corporativa, de cima para baixo, e a cultura participativa, de baixo para cima. (Jenkins, 2009, p. 325) A um dado momento, Jenkins toma o Sequential Tart, portal digital vol- tado à cultura dos quadrinhos, como exemplo – um entre muitos – da cul- tura da convergência. Qualquer caso, nesse contexto, parece ingênuo, mas pode nos indicar alguma tendência. A cultura do nicho, do gosto indivi- dualizado, em primeiro lugar. O jor- nalista chega a usar a ideia da “cul- tura do fã”, mas a definição parece limitada. Melhor seria dizer: a cul- tura da autoria. Pessoas que não se conhecem conseguem facilmente constituir uma comunidade e pas- sam a interagir espontaneamente, segundo uma “ordem sem hierar- quia”. Algo que ele chega a associar à ideia de adhocracia (Jenkins, 2009, p. 324), oposta às variações clássicas da ideia de burocracia, ou mesmo de organização hierática. Manuel Cas- tells cunhou a expressão “autoco- municação de massas” para se refe- rir ao fenômeno. Trata-se de uma comunicação de massas em função de seu alcance global; e trata-se de autocomunicação em virtude da ori- gem difusa da mensagem (Castells, 2009, p.88). O conceito não é novo. A comunicação contemporânea é policêntrica, e nada indica que dará meia-volta no futuro. Iniciativa comunitária Fenômenos associados à ideia de con- vergência sãohoje amplamente conhe- cidos e estudados, ainda que possa haver interpretações divergentes sobre seu alcance. Jenkins não esconde seu otimismo com a perspectiva de uma comunicação de tipo “comunitária”, que vai muito além da ideia de “rom- per com a via de mão única entre emissor e receptor da informação”. Ele fala das smart mobs como gru- pos refletindo múltiplas identida- 24 O paradigma de equidade, aqui, atende a uma perspectiva de tipo hobbesiana, ou “fática”. Dispondo de “meios” e reduzindo o custo de transação do fazer midiático, todos nos tornamos mais “equivalentes”. Para o bem ou para o mal. Andrew Keen, em seu “Web 2.0”, por exemplo, assumiu um ponto de vista francamente crítico ao que ele interpreta como um processo de nivelamento entre leigos e especialistas, profissionais e pessoas ordinárias. Há quem veja nisso um amplo e universal processo “inclusivo”. De um modo geral, é a posição expressa por Frédéric Martel, em seu Mainstream (Civilização Brasileira, 2012). des e capazes de expressar “novas formas de poder”. Sobre como mui- tos grupos diferentes e desconhe- cidos podem cooperar e “trabalhar juntos para o bem comum”. Espécie de utopia que se realiza no mercado, em sentido amplo. Cidadãos exercem poder, em relações progressivamente mais equitativas 24 , atuando como protagonistas e criando um gênero novo de bempúblico. Um bem que se define como um “estado de coisas”, precisamente na linha do “argumento pluralista” que apresentamos no pre- sente trabalho. Nesse contexto algo caótico, a ideia de que uma emissora público-estatal possa produzir algum tipo de media- ção entre os cidadãos soa como um recuo. Os cidadãos parecem estar assumindo essa função por conta própria. “Atores sociais e cidadãos estão usando essa nova capacidade das redes para fazer avançar seus projetos, defender seus interesses e reafirmar seus valores”, escreve Castells (Castells, 2009). O poder migra da “organização” para o indi- víduo e o tecido de relações volun- tárias entre as pessoas. Trata-se de um novo paradigma que vai além da ideia habitual da democratização dos meios de comunicação. Diremos que ele vai além ao mesmo tempo que reforça o princípio da soberania do consumidor (Armstrong e Weeds, 2007). Não parece plausível que os indivíduos e suas comunidades vol- tem a demandar, no futuro, que uma agência de Estado, ainda que indepen- nição de falha de mercado, qual seja, o risco de monopólio natural, a par- tir dos ganhos de escala e custos de entrada no mercado, parece progres- sivamente desaparecer. Perde intei- ramente o sentido, por certo, o fator escassez. Sobrevive o elemento sub- jetivo da oferta de bens meritórios. Mais acesso à internet Oavançomais significativo, entretanto, ocorreuna ampliaçãodoacessoà inter- net. A Pesquisa Nacional por Amos- tra de Domicílios (Pnad 2013) consta- tou que a banda larga estava presente em 97,7% (30,5 milhões) dos domicí- lios com internet de todo o país. Desse total, 77,1%(24,1milhões) conectavam- -se em banda larga fixa e 43,5% (13,6 milhões) embanda largamóvel. A tec- nologia tem avançado não apenas no sentido de favorecer a diversificação do consumo, mas também da autoria. Em 2010, 11,9% dos usuários de inter- net, nos Estados Unidos, mantinham um blog 22 , e os números têm crescido ano a ano. O ponto a ressaltar, obser- vado pelo pesquisador Paul Verna, é a crescente indistinção entre blogs, em um sentido amplo, e os canais de mídia tradicional. Moisés Naim iden- tificou esse processo de expansão dos “micropoderes” (nãoapenasnoâmbito da comunicação), comouma tendência inexorável das sociedades contempo- râneas na direçãodoque chamou, pro- vocativamente, de “fim do poder” 23 . Naim tem em mente, de fato, o pro- cesso de fragmentação e fragilização No Brasil, financiar a comunicação pública significará renunciar ao atendimento de outras demandas sociais
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